Victoria

No deserto de Mojave jaz a cidade inacabada de California, planeada nos anos 60 para receber centenas de milhares de habitantes, a par de Los Angeles ou San Diego. Mas não foi bem assim: vivem lá hoje, no meio de ruas vazias, pouco mais de 10.000 pessoas. O trio de realizadoras belgas segue alguns destes novos pioneiros que procuram novos começos, relatando as suas experiências, dando nomes às ruas, fazendo a pé longas viagens de exploração do espaço.

Num dado momento de Victoria, o seu protagonista Lashay T. Warren filma-se em frente a um cano rebentado na rua jorrando água. Na imagem que capta consegue, a dada altura, descobrir um arco-íris e diz-nos: “perante uma coisa má, podemos sempre obter um arco-íris”. Este bem poderia ser o lema deste cronista da desolação, novo pioneiro, que, em 2016, foi viver com a sua família para Cal City. Esta é hoje uma cidade inacabada no meio do deserto, pois o plano que nos anos 60 foi concebido para que se tornasse um local de habitação para milhares de pessoas foi abandonado. Neste mundo de western desolado, Warren e outros colegas usam o telemóvel como bússola para identificar as ruas e manter os trilhos limpos. As visitas à vizinha L.A. fazem-se apenas através do google maps. As realizadoras Benoot, De Ceulaer e Tollenaere procuram refletir sobre subtis processos de segregação racial e espacial, mas também sobre o potencial criador de um espaço do qual somos descobridores. (Carlos Natálio)

 

Vivarium

Nada como estarmos confortáveis na nossa casinha. Mas nem sempre. Um jovem casal andava em busca do lar perfeito. E parecia ter encontrado. Até que subitamente percebeu que não conseguia sair do labirinto do seu novo bairro, constituído por casas igualmente perfeitas. Este thriller de ficção científica, com Imogen Poots e Jesse Eisenberg, é uma reflexão acerca do que significa isso de ter a casa dos nossos sonhos e constituir família.
 

Waste no.6 How Great

Premiado no IndieLisboa em 2018 por Waste No.5 the Raft of the Medusa, o artista Jan Ijäs volta ao festival prosseguindo com a sua reflexão acerca da produção humana de detritos. Agora com um olhar particular sobre a tecnologia digital e seus paradoxos.

E se de repente o desperdício se tornasse grandioso? Quando descobrimos que por debaixo de uma igreja ortodoxa (de Helsínquia) se encontra um servidor de dados mundial, que usa água reciclada para se arrefecer, confirmamos que nada é o que parece. A partir daqui iniciamos uma viagem à volta do mundo, passando pela Coreia do Sul, Gana e Turquia. A exclamação constante “How Great” vai passando a fazer parte do nosso léxico para nos pasmar, sempre. O mundo visto através da evocação do desperdício, só pode deixar o mundo alerta. Volta Greta! (Miguel Valverde)

White Riot

No final dos anos 70, a Frente Nacional Britânica defendia posições xenófobas de extrema direita. Como resposta nasceu um elemento central do punk rock britânico, o movimento anti-racista Rock Against Racism. O filme de Rubika Shah retrata o surgimento desse movimento, sob o impulso do fotógrafo de música Red Saunders, e ao qual se juntariam bandas como The Clash ou Sham 69, num momento em que uma geração desafiava o status quo através da música..

O RAR – Rock Against the Racism, movimento político e cultural, nasceu em 1976 em Londres como reacção ao aumento de ataques racistas no Reino Unido, ao apoio à fascista Frente Nacional Britânica e ao apoio por parte de alguns músicos à ideia Keep Britain White.

Relevante e oportuno, o premiado White Riot intercala testemunhos com imagens de arquivo, relevando o ambiente hostil e anti-imigrante e as marchas da Frente Nacional. Enquanto os neonazis recrutavam jovens, os concertos multiculturais de punk, rock ou reggae do RAR eram a resistência contra o fascismo. Músicos de vários géneros musicais não só tocavam como participavam na organização das acções. O RAR foi crescendo, desde os fanzines até ao enorme Carnival Against the Nazis, um dos marcos do movimento, em Abril de 1978, que juntou 100.000 pessoas numa marcha pelas ruas de Londres até Victoria Park, onde actuaram bandas como The Clash, Steel Pulse e X-Ray Spex. (Helena César)

Xala

Nos anos pós-independência, no Senegal mantém-se a influência ocidental. Um ganancioso homem de negócios retira dividendos dessa situação e, como prova do seu sucesso, casa-se com a sua terceira mulher. Mas eis que, ao tentar consumar o casamento, se vê atacado por uma terrível xala, uma maldição que o deixa impotente. Baseada no romance que Sembène escreveu dois anos antes, esta é uma simbólica sátira acerca da impotência social e política do seu país.

Yummy

Havia uma menina que queria reduzir as maminhas. A sua mãe, por sua vez, fazia-lhe jeito outro lifting à cara. O namorado da primeira apoia tudo o que elas decidirem. E lá vão a uma clínica de cirurgia estética no leste europeu. Ou, como se chama na terra do cinema de terror, um restaurante para zombies. Uma comédia gore, uma orgia de sangue e violência, que te fará pensar bem antes de pedires carne mal passada da próxima vez.    

 

858 pages plus au sud

Quanto tempo leva a ler uma página de Ulisses, de James Joyce? E de carro, quantas páginas por quilómetro? Os trabalhos de Buchert juntam o humor, a literatura e reflexão crítica. Tal como acontece neste 858 Pages Au Sud, no qual, evocando a morte do pai há mais de vinte anos, procura bater um velho record dele que envolve a leitura do clássico do escritor irlandês, uma caravana e uma viagem-performance literária a caminho do sul da Europa.
Este filme não é falado e nem legendado em inglês.

La femme de mon frère

Em 2014, o IndieLisboa mostrou a curta Quelqu’un d’extraordinaire, a estreia na realização de Monia Chokri que conhecemos dos filmes de Xavier Dolan. A sua primeira longa metragem desenvolve, numa hilariante e inteligente comédia, o mesmo tema do filme anterior: a passagem à idade adulta de uma jovem mulher. Neste caso, Sophia (a extraordinária Anne-Élisabeth Bossé), recém doutorada que, sem perspectivas profissionais, vive (ainda) com o seu irmão mais velho.

Depois de o IndieLisboa ter mostrado em 2014 Quelqu’un d’extraordinaire, a estreia na realização de Monia Chokri, actriz de alguns filmes de Xavier Dolan, eis que nos chega agora a sua primeira longa-metragem. Inscrito na tradição do filme familiar quebequense, mas também na subtileza e cosmopolitismo de autores como Noah Baumbach ou Greta Gerwig, esta é uma comédia dramática acerca de uma jovem já não tão jovem, recém doutorada, que, sem planos de futuro, procura compensação emocional na relação com o seu irmão. A ironia constante é a grande arma de boa disposição maciça, mas, através da alternância entre o cómico e a dor verdadeira – algo que a actriz Anne-Élisabeth Bossé domina na perfeição – as personagens ganham outra vida e profundidade. Vamos sendo guiados pelos clichés da felicidade, mas onde La femme de mon frère podia apenas ser uma versão intelectual de Bridget Jones, é afinal um sensível filme sobre o crescimento e a humildade. (Carlos Natálio)

 

Um Lince na Cidade

Era uma vez um lince curioso que deixa a floresta, atraído pelas luzes da cidade. Nessa noite diverte-se muito, até que adormece num parque de estacionamento. No dia seguinte, coberto de neve, os habitantes ficam surpresos por encontrar uma criatura tão estranha.   

 

Mille Soleils

Mille Soleils, vencedor do IndieLisboa em 2014, conta o regresso da realizadora ao Senegal, revisitando dois atores do filme Touki Bouki (1971), realizado pelo seu tio, Djibril Diop Mambéty. Memórias reais e liberdades de ficção, o cinema e/é a sua família.

 

Um Animal Amarelo

A 5ª longa metragem de Felipe Bragança (Tragam-me a Cabeça de Carmen M., co-realizado com Catarina Wallenstein, IndieLisboa 2019) procura perceber que arte é possível a partir dos fantasmas contraditórios que assombram a identidade brasileira. Co-produzido pela produtora Som e a Fúria, e com a colaboração de João Nicolau no argumento, o filme acompanha Fernando, um falido cineasta brasileiro, e a viagem de aventuras e milagres em busca de suas memórias.
 

À Tarde, Sob o Sol

O desejo não é um assunto para as palavras. É sim uma leveza que pesa nas tardes sem vento, nas roupas molhadas a secar, nos banhos de água calda na piscina. À noite, os insectos são atraídos pela luz, pois o desejo não é um assunto para as palavras.

 

Todos os Mortos

No ano passado o IndieLisboa, no programa Brasil em Transe, mostrou filmes de importantes autores do emergente e combativo novo cinema brasileiro, entre os quais Seus Ossos e Seus Olhos de Caetano Gotardo. Em 2018 tínhamos visto já As Boas Maneiras de Juliana Rojas e Marco Dutra. Agora, a dupla Gotardo/Dutra traz-nos uma história de duas famílias e de assombrações trazidas pelo espectro da escravatura, numa São Paulo da viragem para o século XX.

Maria, uma freira, avança pelas escadas escuras com uma tocha na mão. Assustada, como se algo a observasse, espreitando no escuro. A cena parece um puro arquétipo do fantástico, mas nada, absolutamente nada será como esperamos em Todos os Mortos: nem o filme sobrenatural que imaginamos, nem o filme de época que parece evidente. A longa desenrola-se num momento crítico, no crepúsculo do século XIX, durante uma época de mudanças sociais no Brasil. Contudo, a mudança não se efectua com tanta clareza, nem no país, nem na casa rica dos Soares. A escravatura foi abolida no Brasil há dez anos, mas o que resta da mesma nas estruturas sociais, nas relações de classe? Para os Soares, a Europa é “a origem de tudo”, a África é um grande magma indistinto, o tom está nesta forma de paternalismo que os colonos imaginam benevolente e magnânimo. Todos os mortos observam a brancura e sua hegemonia de uma maneira sem precedentes num mundo que parece estar a avançar… mas será que está realmente a mover-se? Para quem? Estreada há alguns anos, a primeira longa metragem de Caetano Gotardo chamava-se O Que se Move. Um título que poderia ter funcionado aqui, num filme em que sentimos um mundo em turbulência e observamos outro que parece congelado para sempre. (Mickael Gaspar)

Ana e Maurizio

A pintora Ana Marchand sempre se sentiu um tanto deslocada na sua família. Donde lhe viria o amor pela arte e pela viagem? Em jovem viu um livro de viagens escrito pelo seu tio, Maurizio Piscicelli, e finalmente compreendeu. Catarina Mourão (Pelas Sombras, A Toca do Lobo, O Mar Enrola na Areia) acompanha Ana na sua travessia familiar e espiritual. Quem foi Maurizio? Quem é Ana? O rosto de um, o do outro. A reencarnação são as várias vidas que vivemos.

Foi em pequenina que Ana viu, numa estante da sala, um livro escrito pelo seu tio, Maurizio. Era um livro que relatava a sua viagem pelo Congo, com fotografias que faziam sonhar. Logo depois perde-lhe o rasto, assim como à misteriosa presença daquele parente com quem viria a descobrir ter muito em comum. Já adulta, Ana procurará os traços da vida de Maurizio, como quem busca um pedaço de si mesma. Mourão acompanha essa viagem com o seu cinema, ele próprio também uma arte da viagem, muitas vezes física, outras interior e emocional, despoletado por fotografias e pedaços de memorabilia. Ana e Maurizio é um delicado circuito de olhares, uma viagem pelo palimpsesto e pela sobreimpressão entre tempos, gerações e imagens. Catarina observa Ana que, por sua vez, procura ver o que o tio viu na sua passagem por Benares, na Índia. Tudo muda e nada muda, vem-nos o vento do cinema de Rossellini, mas também do cruzamento de outras viagens de Catarina (Pelas Sombras; A Toca do Lobo). (Carlos Natálio)

 

Trampolim Sincronizado

Os animais observam as focas e a sua perfeita performance sincronizada no trampolim. Os hipopótamos são os que prestam mais atenção pois quando chegar a sua vez não querem fazer má figura.

 

Atlantique

Trabalhadores de uma obra na capital do Senegal não recebem há meses. Um deles, o jovem Souleiman, decide atravessar o oceano em busca de uma melhor vida. Ada, de 17 anos, apesar de prometida a outro homem, espera o regresso do seu amor. Inspirada na figura de Penélope, mas também em Romeu e Julieta, Atlantique é um conto de espíritos, traumas e crescimento. Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes de 2019. 
 

Atlantiques

Realizado quando ainda estudava cinema na Le Fresnoy, este documentário serviu de inspiração para a sua primeira longa metragem. Um relato de desejo de travessia do oceano por um grupo de amigos senegaleses, uma viagem que pode bem ser entre a vida e a morte.

 

Fiebre Austral

Qual a distância que vai da dor ao prazer? Quais os limites da sensitividade do corpo? Inspirado nas imagens violentas, eróticas e sedutoras da pintora chilena Carmen Silva, tia do realizador, esta é a história de uma ferida que produz prazer.

Um jovem sofre um acidente. O amigo ajuda. A mãe do amigo acolhe-o. A ferida que nasce é quente e uma perfeita atracção para o abismo. É neste contexto que o chileno Woodroffe (de nome inglês que contrasta com a sua latinidade), actua tirando partido de uma situação que nunca é comum. O ambiente familiar tem qualquer coisa de “fora do sítio”, e a casa aparentemente arrumada, está prestes a explodir numa energia contida. Woodroffe arrisca-se a ser o próximo “caso” chileno depois de Dominga Sotomayor. (Miguel Valverde)