”
O pai lobo perdeu o seu trabalho, mas como é um bonzão resolve começar a trabalhar às escondidas como gigolô para manter a família. Por sua vez, a mãe lobo, que está de balão, também tem os seus segredos envolvendo seminários de emancipação feminina.
—
Toomas é um lobo engenheiro num trabalho muito bem pago; ele é também extremamente atraente. É despedido e vê-se sem rendimentos para suportar a sua família que inclui a sua companheira grávida Viivi. Toomas encostado à parede aceita um trabalho como gigolô. Viivi inscreve-se numa conferência sobre empoderamento feminino. As situações e peripécias escalam e as duas viagens sobre descobertas sexuais que Toomas e Viivi fazem culminam numa bizarria sem igual. (Rui Mendes)
“
Elba já viveu muito. A sua rotina é feita de tarefas em casa e no campo, do cuidado dos animais, de “cartas no ar” que escreve à eternidade. O colectivo de realizadores Los Segundos filmou uma carta de resposta, a partir da resistência e força de Elba.
Este filme não é falado e nem legendado em inglês.
”
Na obra de Alice dos Reis, artista residente entre Lisboa e Amesterdão, o mundo marinho tem sido objecto de reflexão. Nesta ficção, os cardumes de krill carregam nanocâmaras. Estarão conscientes das imagens que produzem e que são objecto do olhar humano?
“
”
Névine é monitora numa escola secundária, empenhada num trabalho ingrato entre professores, administração e alunos. Logan, um aluno de que ela gosta bastante, insiste em recuperar um boné dos perdidos e achados. Um gesto com inesperadas repercussões.
—
O caos organizado de uma escola marca o quotidiano profissional de Névine, uma jovem monitora cuja prioridade é ajudar os alunos, não controlá-los. Quando Logan, um dos adolescentes mais irrequietos, se vê envolvido num desentendimento, ambos vão perceber o quão o sistema escolar não está preparado para responder às individualidades dos seus alunos. Mardi de 8 à 18 é um filme de infinita doçura, humor comovente e minucioso entendimento do ecossistema escolar, capaz de nos atirar a todos de novo para as cadeiras da sala de aula. (Ana David)
“
”
O ponto de partida de Uppercase Print é a história verídica de uns graffitis que surgiram em 1981 pintados na sede do partido comunista, em Botoșani, com mensagens críticas ao regime de Ceaușescu e toda a investigação subsequente para encontrar e “corrigir” o culpado. Recorrendo a uma peça que o encenador Gianina Cărbunariu fez sobre o caso, mas também a vídeos de arquivo, Jude problematiza acerca da formatação do indivíduo em tempos ditatoriais.
—
Num grande número de filmes que se seguiram mas não se assemelham, Radu Jude tem vindo a construir uma das obras mais pungentes e emocionantes do cinema romeno contemporâneo. Afinal, o que têm em comum a farsa picaresca Aferim!, o surrealismo literário de Scarred Hearts e a encenação histórica do jogo de espelhos I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians? Sem dúvida, mais do que parece: primeiro uma ironia discreta mas cortante, e acima de tudo um olhar intransigente sobre a história velada do seu país – não importa a época e o género cinematográfico. Existem dois tipos de imagens em Uppercase Print. Primeiro, imagens de arquivo a preto e branco dos anos 80 sob Ceausescu. Imagens emocionantes e assustadoras de propaganda sorridente, na qual vozes robóticas repetem com alarde os slogans da ditadura. As outras imagens datam de hoje, produzidas num estúdio com neons brilhantes em cores vivas. De frente para a câmara, os actores recitam (mais do que repetem) os relatórios escritos pelas milícias comunistas. Descrições desproporcionalmente numerosas e detalhadas, relacionadas com o mesmo incidente: um simples slogan revolucionário escrito em letras maiúsculas (daí o título) por um estudante romeno nos anos 80. A notícia é simples, o autor do grafitti foi rapidamente identificado mas a máquina administrativa do fascismo aterroriza, implacável pela força da repetição. A investigação é interminável, como um monstro gigantesco que não se consegue matar. Uppercase Print alterna entre estas duas famílias de imagens, entre estes dois contos tensos com vozes monocórdicas que arrepiam a espinha: o anedótico e o nacional, a história oculta e a propaganda, o sorriso superficial e a loucura nos bastidores de ontem e hoje. (Mickael Gaspar)
“
Esta obra prima de Makavejev esteve banida na Jugoslávia durante 16 anos. Isto porque no filme se estabelece uma relação entre a repressão/libertação sexuais e os sistemas políticos e sociais. A partir de uma relação entre uma mulher jugoslava e um patinador soviético, o realizador homenageia a obra do psicanalista austro-americano Wilhelm Reich. A sua montagem frenética e seus diferentes registos são eles mesmos um orgasmo cinematográfico.
Este filme não é falado e nem legendado em inglês.
As notícias da morte de Josef Stalin em Março de 1953 deixaram a URSS em estado de choque. A partir de imagens de arquivo, a maioria inéditas, Loznitza mostra-nos todos os procedimentos desde o anúncio de morte às cerimónias fúnebres. Alternando o preto e branco com a cor (em especial o vermelho associado ao regime), mas também os rostos tristes, as lágrimas, as pessoas de luto, tudo torna evidente o culto em torno da personalidade do líder soviético.
—
O realizador ucraniano Sergei Loznitsa (The Event, The Trial) convida-nos a viver os quatro dias da despedida do “”amado líder do povo soviético”” Joseph Stalin em Março de 1953, “”não como observador de um evento histórico ou admirador de raras imagens de arquivo – mas como participante e testemunha de um espetáculo grandioso, aterrador e grotesco ‘, nas suas próprias palavras. A natureza opressiva do regime soviético é revelada através do ritual: a procissão interminável de enlutados alinhados à frente do caixão em Moscovo, os discursos profetizando a imortalidade do líder alcançando os cantos mais longínquos da terra soviética na montagem elíptica de State Funeral. Loznitsa compõe perfeitamente faixas cor de sangue e ruas movimentadas a preto e branco, flores de plástico e lágrimas genuínas, criando um pesadelo vertiginoso de filme, que nos desperta em suores frios. (Anastasia Lukovnikova)
Desde que os seus pais morreram, Colin vive com o seu avô, Karl. Um dia, Karl sai para caçar uma nerval, um tipo de baleia, e Colin esconde-se na casa trenó do seu avô. É tempo de perder os medos e aprender os segredos do Grande Norte.
Pela mão do seu pai, uma tímida menina vai ao parque brincar. Mas quando descobre uma outra menina cheia de energia brincam sem parar. No final daquele dia mágico nada ficará como dantes.
O realizador e actor da Mauritânia, Med Hondo, espantou o mundo do cinema com este seu filme inicial (vencedor do Leopardo de Ouro em Locarno), rodado durante quatro anos e com um baixo orçamento. Esta é a luta de um emigrante mauritano em Paris, em face das precárias condições de trabalho, remuneração discriminatória, humilhação e indiferença. Um manifesto original, com influências do cinema verité, da montagem eisensteiniana, da sátira e do absurdo.
Continua a chover e a Arca de Noé está prestes a partir. Mas a ave kiwi e o camaleão não estão na lista de passageiros. Os dois amigos decidem entrar no barco e viajar clandestinos. O que vai acontecer quando forem descobertos?
Os vizinhos pregam-nos partidas, fazem-nos surpresas. Cesina Bermudes, médica obstetrícia reformada, bateu uma vez à porta da casa de Mire oferecendo ajuda. A realizadora agradeceu e, com a sua memória e criatividade, devolveu o gentil gesto.
—
Num acto de honesta generosidade, uma mulher de 80 anos oferece móveis a uma jovem vizinha que vivia na Avenida Santos Dumont. Numa manhã, talvez de primavera, ao ler um artigo sobre uma mulher médica que vivia nessa mesma avenida, essa generosa mulher finalmente ganhou um nome: Cesina Bermudes. Médica, obstetra, investigadora e feminista, “Parto Sem Dor” é o retrato de alguém que tão sorrateiramente passou pelas nossas vidas mas que deixou um legado que tentamos decifrar. (Rui Mendes)
Em 2013, Soares venceu o prémio Novíssimos do IndieLisboa com a curta de animação Outro Homem Qualquer. Agora regressa para dar imagem e som a um movimento preciso de suspensão: um homem triste no seu quarto num momento de indecisão.
—
Imóveis e sozinhos, um homem, outro homem, numa cama, à janela, deixam-se estar presos no ar das coisas e no corpo. Moscas e flores, chaves, uma atmosfera em movimento num espaço que respira, quieto e quebrado, e vê o tamanho do gesto. A suspensão está em linha… Lá fora, a cidade repete gestos, acelera a mecânica; cair, partir, levantar… isolar as coisas, abrir o olhar, calibrar o tempo. Um filme que sabe esperar. (Carlota Gonçalves)
Em 2014, o IndieLisboa mostrou o documentário Costa da Morte passado nessa região galega, de onde é natural Patiño. A sua paisagem e histórias contêm uma forte carga onírica e fantástica que aqui são exploradas nesta ficção sobrenatural sobre a procura de Rubio, um mergulhador que teria resgatado dezenas de cadáveres de náufragos. As imagens estão paralisadas com seus habitantes e as palavras flutuam como aparições, entre fantasmas, bruxas e monstros.
—
Lois Patiño pertence, ao lado de autores como Eloy Enciso ou Oliver Laxe, a uma interessante nova geração de cinema galego. Em 2014, o IndieLisboa mostrou a sua primeira longa, Costa da Morte, um documentário passado nessa região galega de onde é natural. Agora retorna a esse local explorando o imaginário mítico e sobrenatural dessa vila costeira de quem se dizia antigamente ser o “fim do mundo”, devido ao elevado número de naufrágios. Os seus habitantes permanecem imóveis como quadros, tudo se passa hoje como há mil anos. O que aconteceu a Rubio, o mergulhador que outrora reclamava os corpos dos naufragados? Pensa-se que tenha sido o monstro que leva as pessoas vivas, mas não as devolve mortas. No universo de Lúa Vermella, que tem tanto do cinema de Tarkovsky como da literatura de H. P. Lovecraft, habitam os fantasmas, as bruxas, os espelhos, o mar e a lua. Sussurra-se, anda-se, espera-se e planeia-se fora das imagens e dentro do som. (Carlos Natálio)
A obra de De Bernardi (Elettra, IndieLisboa 2018) vai beber sobretudo à literatura, música e também ao cinema experimental americano dos anos 70. Neste seu novo filme, o tempo estende-se desde setembro de 2012, em Nápoles, até 2019. Um conjunto de actores foi lendo, ao longo dos anos, o último romance de Tolstói, Ressurreição. Não só mudam os espaços de Turim, Milão, Berlim, como alguns dos artistas, entretanto falecidos, ressuscitados pelo cinema.
Camila vive rodeada de aparelhos, cabos e o brilho de ecrãs. O seu trabalho é de arranjar máquinas estragadas. A sua solidão é quebrada, momentaneamente, pelas presenças online, por partilhas de sonhos e viagens lynchianas.
A minha avó não é como as outras. O seu Édouard morreu faz tempo, mas ela não dá espaço à solidão. Veste-se de cores garridas, envia e mails às amigas e domina a internet. É uma rainha entre os seus gadgets e a restante memorabilia. Este é o seu retrato.
—
Suzanne é uma avó do século XXI. Emails, vários por dia. Tablets, na ponta dos dedos. Bitcoins, investimento mensal. O domínio da internet ocupa-lhe o dia, mas não apaga a perda do seu marido Édouard. Continua a falar com ele e as fotografias analógicas continuam a inundar a casa. Suzanne vive entre dois mundos, espaço que pertence aos fantasmas. Um filme que está constantemente a desafiar-se e a provocar-nos, mas nunca gratuitamente. (Carlos Ramos)
Adaptando uma obra do escritor Mário de Carvalho, Júlio Alves (Sacavém, IndieLisboa 2019) ensaia uma comédia agridoce sobre as relações conjugais, as separações e a comunicação. Arnaldo (Pedro Lacerda) e Bárbara (Ana Moreira) pretendem terminar a sua relação. Não sabemos o motivo, apenas que ambos partilham a “paternidade” de uma tartaruga. Quem ficará com a tartaruga? Para onde quererá ela ir? Num jogo do empurra, o animal segue o seu caminho.
—
À beira da ruptura surge a dúvida, sempre. A primeira longa metragem de ficção de Júlio Alves é uma adaptação de uma obra de Mário de Carvalho, autor que Alves já revisitou em algumas das suas curtas metragens. Agora o universo é o das relação humanas;- no caso, um casal está a separar-se e passa pelo processo sempre doloroso de se saber quem fica com o quê, o que é de quem quando se ofereceu, quem sai e quem fica, quem dá o braço a torcer. As coisas aparentemente não estão assim tão mal mas quem ficará com a tartaruga? A estrutura do filme está muito bem definida com uma composição elegante de planos (Alves sabe filmar muito bem espaços fechados e concretamente casas), os actores (a dupla Ana Moreira/Pedro Lacerda) estão muito bem dirigidos sempre num registo limite do sofrimento/apatia, e a montagem tem um ritmo correcto que nos permite ter a informação certa em cada momento. E a partir daí é só olhar para o espelho, porque Júlio Alves acerta-nos em cheio. (Miguel Valverde)