Manifesto pela nomeação transparente de júris para os concursos públicos de cinema e audiovisual

Na nova Lei do Cinema, em vigor há pouco mais de um ano, a Secretaria de Estado da Cultura (por intermédio do Instituto do Cinema e do Audiovisual) demitiu-se de uma das tarefas essenciais para assegurar transparência nos concursos públicos de apoio ao cinema. A Associação Cultural IndieLisboa e o IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente solidarizam-se e assinam a carta dirigida ao Exmo. Sr. Secretário de Estado da Cultura, Dr. Jorge Barreto Xavier, a respeito da nomeação de júris para os concursos públicos de apoio ao cinema. Por este motivo, compartilhamos o seu teor:

Lisboa, 23 de Outubro de 2014
Ao Exmo. Sr. Secretário de Estado da Cultura, Dr. Jorge Barreto Xavier

Na nova Lei do Cinema, em vigor há pouco mais de um ano, a Secretaria de Estado da Cultura (por intermédio do Instituto do Cinema e do Audiovisual) demitiu-se de uma das tarefas essenciais para assegurar transparência nos concursos públicos de apoio ao cinema.

Contrariamente àquilo que estava definido em todas as leis do cinema e respectivas regulamentações desde 1971, esta nova lei retirou da esfera do ICA a incumbência de nomear os júris para os concursos, relegando-a para um órgão consultivo – a Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA) – onde têm assento um conjunto de agentes do cinema ou da televisão, com as suas agendas pessoais, interesses próprios e corporativos nos resultados dos concursos.

Muitos dos signatários deste texto alertaram a SEC e o ICA desde o início para a perversidade de um sistema de nomeações de júris que substituía a equidistância e independência de quem nada tem a ganhar ou a perder com os resultados dos concursos por um sistema que legaliza o tráfico de influências.

Os resultados desta inovação estão à vista. No ano passado, vários dos membros da SECA (nomeadamente os incansáveis representantes do cinema dito “industrial”) vieram a público ameaçando com impugnações e denunciando ilegalidades que julgaram ver no processo, tais como o facto de o ICA não se ter abstido na votação no intuito de, cremos nós, assegurar o espírito da lei que define a intervenção do Estado no financiamento do cinema como instrumento de uma política cultural protegida de uma lógica puramente comercial. Este ano, o ICA absteve-se de votar e de ter uma palavra a dizer sobre os nomes dos júris para os concursos de 2015. Sabemos agora que esta decisão foi feita através de uma concertação de votos entre televisões, operadoras de telecomunicações (a NOS tem direito a dois votos como representante dos distribuidores e exibidores), e os mesmos que o ano passado se queixaram.

Os signatários deste texto não querem que sejam os agentes privados do sector audiovisual e das comunicações a impor a sua lógica mercantilista nos concursos públicos de cinema, pervertendo o espírito de uma lei saída da SEC. Mas igualmente recusam-se a nomear, eles próprios, júris que os favoreçam nos concursos. Em suma, acreditam que a transparência do processo só pode ser assegurada por uma entidade que não possa tirar vantagens dos resultados. Essa entidade é, e sempre foi, o Instituto do Cinema.

Em consequência, aqueles que entre nós têm assento na SECA, como representantes de associações do sector ou personalidades convidadas, irão nos próximos dias suspender a sua participação no referido órgão.

Perguntamos ainda ao Senhor Secretário de Estado da Cultura se, perante os factos apresentados e a saída de vários dos participantes da SECA, considera que esta mantém a legitimidade para continuar a nomear júris para os concursos de cinema.

Dirigimos-lhe igualmente um pedido de audiência – que acreditamos que entenderá como urgente – para que sejam debatidos os perigos decorrentes da forma como se chegou a estas nomeações. Perante este impasse, o Secretário de Estado da Cultura deverá muito claramente definir de que modo irá reverter esta situação no imediato, alterando necessariamente a norma em questão no decreto-lei, devolvendo à direcção do ICA a responsabilidade de garantir a existência de concursos verdadeiramente idóneos e transparentes.

Com os nossos melhores cumprimentos,

Os signatários:

Associação Portuguesa de Realizadores (APR)*
Associação de Realizadores de Cinema de Animação (TRUCA)*

Representante dos Cineclubes, Associações de Sector e Festivais – Natacha Moreira*

Representante dos Técnicos de Cinema e Audiovisual – Tiago Silva*

Luís Urbano (produtor – O Som e a Fúria)*

Manuel Mozos (Realizador)*

* membros demissionários da SECA

APORDOC – Associação Portuguesa pelo Documentário
Agência da Curta Metragem
Doclisboa – Festival Internacional de Cinema
IndieLisboa
Curtas Vila do Conde
Queer Lisboa
CENA – Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual
SINTTAV – Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e do Audiovisual
Joana Ferreira e Isabel Machado (C.R.I.M.)
João Figueiras (Black Maria)
João Matos (Terratreme)
Maria João Mayer (Filmes do Tejo II)
Alexandre Oliveira (Ar de Filmes)
Filipa Reis (Vende-se Filmes)
Joana Gusmão e Pedro Fernandes Duartes (Primeira Idade)

Hoje, às 18h00, terá lugar na Culturgest uma conferência de imprensa aberta ao publico que reflectirá sobre as consequências destas tomadas de decisões. Na mesa estarão Margarida Gil, Miguel Gomes e João Salaviza (todos da Associação Portuguesa de Realizadores), João Matos (Terretreme), Miguel Valverde (IndieLisboa), Cíntia Gil (Doclisboa) e Cátia Salgueiro (TRUCA).