“Prontos para a revolução?” – A Retrospectiva Sarah Maldoror no IndieLisboa 2021

“Prontos para a Revolução?” era a saudação que a cineasta e poeta usava para atender o telefone até aos anos 70, segundo o testemunho da sua filha Henda Ducados. A mesma pergunta deve ser colocada agora, naquela que é uma oportunidade de ver essa mesma voz a ser erguida numa retrospectiva: a primeira sobre a cineasta em Portugal, que o IndieLisboa apresenta em conjunto com a Cinemateca Portuguesa.

Numa amostra quase integral do corpo da obra de Sarah Maldoror – não só umas das primeiras mulheres a empunhar uma câmara e a transformar o cinema Africano dali em diante, mas uma matriarca que o fez para lutar a opressão – o IndieLisboa leva até ao grande ecrã o seu trabalho compilado em 43 filmes (3 longas-metragens e 39 curtas-metragens) – alguns dados como perdidos – e um complemento de 5 filmes que contextualizam a obra da cineasta. Para ver de 1 a 8 de Setembro na Sala M. Félix Ribeiro e na Esplanada da Cinemateca Portuguesa.

A dimensão mais militante e politizada da mulher nascida em Gers, no Sul de França, francesa e guadalupense, começou por se reflectir desde a mais tenra idade, quando esta decide trocar o seu apelido de origem, Ducados, por Maldoror, em homenagem à obra do Conde de Lautréamont que descreveu nos seus Cantos de Maldoror o pior de que o ser humano era capaz. Dessa revolta surge um pseudónimo que não só articula como localiza um discurso anticolonialista, pan-africano e feminista, atento aos legados da negritude na produção artística e cinematográfica, no que foi um manifesto colectivo filmado sobre a mulher negra atrás da câmara e dentro do ecrã. Da sua primeira obra Monangambée (1969)*, veículo de denúncia dos crimes cometidos pelo Portugal colonizador em Angola, a Sambizanga (1973), um testemunho da libertação do país, é rapidamente canonizada a impressão digital do seu cinema político que já na altura gritava por mudança. Este último – Sambizanga – será exibido numa cópia recém-restaurada e recém-estreada em Bolonha no passado mês de Julho, no festival Il Cinema Ritrovato.

Daí em diante, foi cimentando o movimento da negritude e assim divulgando a cultura negra que juntamente com o companheiro Mário Pinto de Andrade,  poeta angolano fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e ideólogo do pan-africanismo mergulha na reconstrução e renovação da história. Um diverso grupo de filmes permeiam a afirmação da negritude, como em Et Les Chiens Se Taiseient (1978); filmes que olham para a identidade e cultura negras após as independências dos respectivos territórios – À Bissau, Le Carnaval (1980), Cap-Vert, Un Carnaval Dans Le Sahel (1979), Fogo, L’Île De Feu (1979) – e as psicogeografias parisienses das experiências migrantes – Un Dessert Pour Constace (1980), Scala Milan A.C. (2003), Le Passager du Tassili (1986), entre outros.

A retrospectiva reúne ainda inúmeros retratos de artistas, sejam eles escritores, encenadores ou cantores, que assim passam pela obra de Maldoror naquele que é um recolher de inspiração e um semear de multiplicidade e consciência. Importante mencionar a figura fundamental do activista e poeta Aimé Césaire, presente em pelo menos três filmes, tal como os poetas Louis Aragon, Léopold Sédar Senghor, Édouard Glissant, Léon G. Damas, o pintor Joan Miró, entre outros.

Uma outra vertente apresentada dá voz às mulheres negras, agentes da mudança, em filmes profundamente anti-racistas, que transpiram solidariedade. De Portrait D’Une Femme Africaine (1985), Écrivain Public (1985), a Point Virgule (1986), Premiére Recontre Internationale des Femmes Noires (1986) ou Assia Djebar (1987), vislumbra-se o gesto feminino, mas também sublinha-se uma agitação que se sente um pouco por todo o resto da obra.

Do outro lado do espectro, olha-se para a sua obra através de autores como Chris Marker, William Klein, Anne-Laure Folly, ou Mathieu Kleyebe Abonnec – este último filme, Préface à Des Fusils Pour Banta (2011) é uma elegia ao filme perdido de Sarah Maldoror, Des Fusils Pour Banta (1970), que se centrava numa mulher envolvida na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde.

> A fotógrafa italiana militante Augusta Conchiglia estará presente na sessão de dia 8 de Setembro, às 15:30, naquela que será a segunda passagem de Monangambée no festival, a convite de Maria do Carmo Piçarra e da ICNOVA-FSCH.
> Annouchka de Andrade estará presente em Lisboa em Setembro para acompanhar a retrospectiva de perto.

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