Do espanhol, querencia remete para desejar, é o local que se ama. Também no Brasil é o lugar onde o gado foi criado ou tem por hábito pastar. O sítio onde alguém vai buscar a sua força – um homem, o touro – onde se sente em casa. Marcelo é um cowboy que vê a sua vida tomada por uma nuvem negra quando um violento assalto ocorre na fazenda onde trabalha. Sem chão, é obrigado a repensar a sua vida. Mas é também a oportunidade de perseguir um sonho: o de ser narrador de rodeios. E assim se desenha uma nova querencia, um novo lugar onde se sente em casa, junto dos seus touros, de novo forte e são. Helvécio Marins tece uma narrativa com base real – os seus não actores e as suas vidas são transportados para este território, e carregam consigo toda a experiência e sentimentos que entregam a força de um touro a este filme. Enquanto isso, os animais olham-nos com a pujança de quem relembra: tempos negros estão a chegar para o Brasil, mas a força vai e vem, por ondas, ela não nos abandonará completamente. (M.M.)
Secção: Silvestre
Logo a começar pelo título, que cita “Eu Nasci, Mas…” de Ozu, o nono filme de Angela Schanelec impõe umas reticências. Um rapaz de 13 anos desaparece durante uma semana, para reaparecer misteriosamente. Esse regresso deixa em suspenso a sua mãe e os seus professores, assim como o filme, que paira de personagem em personagem. Schanelec (“The Dreamed Path”, IndieLisboa 2017), pertencente à Escola de Berlim, preserva o seu estilo minimalista, rigoroso e elíptico, feito de detalhes sugestivos. Este filme deu-lhe o prémio de Melhor Realização no festival de Berlim.
Em “Tant qu’il nous reste des fusils à pompe”, o ar escalda, as ruas esvaziam-se, as palmeiras amarelecem, as caçadeiras choram e Joshua deseja morrer. Mas há um irmão que precisa de companhia e um gang chamado Iceberg (vencedor do Urso de Ouro).
Isaki Lacuesta é considerado uma das figuras de maior relevo do cinema espanhol da atualidade, em particular devido à docu-ficção “La leyenda del tiempo” em que acompanhava dois jovens irmãos ciganos após a morte do seu pai. 12 anos depois o realizador torna a eles, na mesma fronteira onde a realidade se esbroa. Cada um tomou caminhos muitos distintos: Isra acaba de sair da prisão e tenta sobreviver vendendo sucata e amêijoas, já Cheito, na marinha, hesita sobre uma missão perigosa que o afastará da família mas compensará financeiramente. Melhor Filme no festival de San Sebastian.
O mar. Comida. Fogo.
Um elefante budista, uma galinha viciada em redes sociais e um tronco de árvore com medo de insectos entram numa carruagem de metro… Parece uma anedota, mas é uma alucinada e ácida animação pop sobre o narcisismo.
Em Los Angeles o trânsito é caótico e só há uma força que o controla: as linhas amarelas que separam as faixas e condicionam o tráfego. “Yellow Line” é uma ode ao gesto de delinear o mundo e aos trabalhadores que levam a cabo esta tarefa.
Radu Jude é um nome maior do cinema romeno. No IndieLisboa, a sua curta “Lampa cu căciulă” venceu a competição, em 2007, assim como a sua longa “Aferim!” venceu o Grande Prémio, em 2015. Como se vem tornando cada vez mais evidente na obra do realizador (e mais necessário no presente clima político europeu), o seu maior interesse são os modos como se (re-)escreve a História. Esta é uma investigação provocadora, didática, inventiva e altamente inteligente sobre a participação da Roménia na limpeza étnica do Terceiro Reich, aquando do massacre de Odessa, em 1941.
Jodie Mack é umas das mais interessantes jovens realizadoras das novas vanguardas norte-americanas. O trabalho na animação experimental que vem desenvolvendo nos últimos 15 anos é de uma enorme coerência lúdica. “The Grand Bizarre” marca a sua épica entrada no formato longo, através de uma investigação fulminante de padrões têxteis que atravessam diferentes regiões e culturas. Um jogo animista e pop em forma de postal de uma sociedade perdida, onde tudo se funde e relaciona. Os motivos recorrentes de tecidos e tapetes (voadores) transportam-nos para o grande bazar da globalidade.
“This is a Projection”. Isto é um um projector. Isto é um projector de diapositivo. Isto é uma série de palavras num diapositivo projectado. Isto é um filme feito de palavras em diapositivos projectados. (E isto foi uma sinopse).
Num quarto um rapaz recorda o seu vizinho. Chamava-se Gilles, fazia tuning, jogava futebol e ping-pong, reparava computadores e matou-se no outro dia. Em “Play” já não há com quem brincar.
Num ginásio escolar um príncipe das trevas treina os seus discípulos, com pés-de-cabra em riste, em como melhor agredir os seus inimigos. “Prince, puissance, souvenirs” é uma ode à violência e ao tempo passado com os amigos.
Remy está a fugir do mundo: refugiou-se na casa de campo da família, em pleno Inverno, em busca de uma vida mais simples, longe da cidade. Mas as dívidas, o estado decrépito da habitação, a solidão e as redes sociais impelem-no a uma reformulação da realidade.
O estilo fugidio e fragmentário de Virgil Vernier (“Orléans”, “Andorre” e “Mercuriales”, IndieLisboa 2013, 2014 e 2015) ganha agora, com “Sophia Antipolis”, uma dimensão poética altamente cativante. Composto em vinhetas sugestivas (que podem ou não estar ligadas) visitamos o homónimo parque tecnológico da Riviera francesa onde a luz do sol engana e uma mulher desapareceu. Cinco histórias que caminham para um apocalipse à beira mar. O fim está perto, o fascismo está a chegar, é hora de colocar implantes mamários, juntar-nos a um culto e descobrir o amor das nossas vidas.
É Verão, o sol brilha, um ladrão em fuga pede boleia, uma mulher sob ameaça de uma arma suspira de enfado e faz conversa de circunstância. “Menuet” é um thriller policial de cores garridas que foge a todos os clichés do género e aproveita o calor da tarde.
O realizador Luke Fowler aproveitou um dia em que a mãe não estava em casa para investigar, com a câmara, a colecção de fichas de leitura que ela foi acumulando ao longo de uma carreira como socióloga na Universidade de Glasgow: “Mum’s Cards”.
Com base em vídeo-jogos de first person shooter como ‘DOOM’, “Notre amour est assez puissant” é uma paródia tão violenta quanto romântica com inspiração no cinema de Apichatpong Weerasethakul.
“Our Africa”, constituído inteiramente por filmes de actualidades, dá a ver o momento, nos anos 1950, em que os colonizadores europeus começaram a abandonar África e a União Soviética fez a sua entrada: com dinheiro, ideais marxistas e, acima de tudo, equipas de cinema.