Desde que Charles Aznavour recebeu uma câmara, em 1948, das mãos de Edith Piaf, que o acto de filmar se tornou parte do seu quotidiano. O cantor mantinha um vídeo diário, no qual registou momentos importantes da sua vida, viagens, concertos, amantes e amigos. Antes de morrer expressou o desejo de com aquele material fazer um filme. Marc di Domenico, ele próprio tendo filmado Aznavour durante 3 anos, concretiza esse desejo, acedendo aqui a esse espólio pessoal.
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O normal é que as câmaras estejam viradas para eles, os cantores, os actores, os homens e as mulheres que sobem aos palcos e que preenchem as telas. Um dos maiores nomes da canção francesa, filho de refugiados arménios que atravessou o século XX e que entrou no seguinte com a certeza que nada a não ser a morte o poderia parar (e só mesmo ela para o obrigar à reforma antecipada, tinha ele 94 anos, estávamos em 2018), Charles Aznavour foi antes de mais cantor, mas também preencheu as telas, como não nos deixa esquecer o “Disparem Sobre o Pianista” em que Truffaut o fez protagonista no início da ebulição nouvelle vague. Aznavour By Charles mostra-nos Charles Aznavour, a estrela, a fazer algo para além do normal. Em 1948, Edith Piaf ofereceu-lhe uma câmara. Nos 34 anos seguintes, Aznavour registou paisagens e rostos, gente anónima, as mulheres da sua vida, as estrelas como ele. Marc di Domenico mergulhou nesse imenso arquivo e deu-lhe uma forma. Romain Duris fez-se Aznavour e deu voz ao seu pensamento. O resultado é um filme revelador. O observador torna-se a coisa observada, e vice-versa. “Aznavour by Charles”, Charles é Aznavour. (Mário Lopes)
Viagem pela música improvisada em Portugal, em particular em Lisboa, tendo como foco o já extinto Bar Irreal. Com entrevistas e concertos filmados de nomes como Gabriel Ferrandini, Adriana Sá ou Lantana, Chaos and Affinity dá a ver uma realidade cultural pouco retratada, de um conjunto de artistas e locais nacionais onde esta música tem lugar. Pedro Gonçalves assina aqui a sua primeira longa metragem.
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Uma das forças do documentário de Pedro Gonçalves é a sua contemporaneidade. A maior parte dos documentários sobre música foca-se sobretudo em bandas, artistas ou movimentos que já não existem ou cujo momento áureo ocorreu no passado. Caos e Afinidade fala-nos sobre o aqui e agora. Um retrato da música improvisada portuguesa, com maior enfâse em Lisboa e com epicentro no, ironicamente extinto, bar Irreal. Pedro reúne um conjunto de músicos incríveis, resgatando-os da sua invisibilidade através de concertos e entrevistas. Um objecto para memória futura naquele que é o seu primeiro e promissor filme. (Carlos Ramos)
Gimme Shelter, que celebra agora cinquenta anos, é não apenas um objeto imprescindível para compreender o que foi o Cinema Directo, como também um dos melhores documentários musicais da história do cinema. Este acompanha as últimas semanas da tournée americana dos The Rolling Stones, em 1969, com especial foco nos trágicos acontecimentos que levaram à morte de um fã às mãos dos Hell’s Angels que faziam a segurança no Altamont Free Concert, o último da digressão.
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Um olhar retrospectivo para o ano de 1969 permite ver como foi marcante na história mundial. Pela primeira vez um ser humano pisou a lua, aconteceu o festival de Woodstock e foi o ano em que se considera que nasceu a internet. O dia 6 de Dezembro do mesmo ano fica marcado por um outro acontecimento, o festival de Altamont no final da digressão americana dos The Rolling Stones, que reuniu cerca de 300 mil pessoas. Diz-se que aqui morreu o sonho dos anos 60. Neste festival tocaram também Santana, Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e os Crosby, Stills, Nash & Young. Este era o Woodstock do oeste. Há vários mitos sobre o que aconteceu. Os Stones contrataram os Hell’s Angels para fazer a segurança do festival. Mas as coisas precipitaram-se e a violência tomou o lugar da paz e do amor, culminando na morte por esfaqueamento de Meredith Hunter, momento captado pelas câmaras do documentário e que depois foram usadas como prova. Gimme Shelter é o filme desses acontecimentos, por muitos considerado o melhor filme de rock de todos os tempos, exibido aqui no âmbito da comemoração do seu 50º aniversário. (Carlos Ramos)
Beverly Glenn-Copeland escreveu e lançou, a partir do seu estúdio caseiro em Huntsville, Ontario, o álbum de folk eletrónico Keyboard Fantasies em 1976. Apesar de inovadora em muitas das sonoridades a cassete caiu no esquecimento. Três décadas depois, graças à cortesia de um colecionador de raridades japonês, o disco foi reeditado e conheceu finalmente o seu público. E eis que, o agora músico Glenn-Copeland, começa a sua primeira tournée aos 74 anos.
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Keyboard Fantasies não é o disco mais óbvio – nem mesmo para apreciadores de um espectro de música entre a folk e a ambient. Ouçamo-lo de uma ponta à outra, com menor ou maior atenção, e pouco saberemos dizer sobre Beverly Glenn-Copeland. A delicadeza do jogo de beats, os silêncios, a sua voz terna – nada disto nos diria que Beverly era um rosto da luta pelos direitos LGBT no Canadá dos anos 70, uma era em que sê-lo era um crime punido por lei. Da sua música, poderíamos dizer que nos cativa pelo equilíbrio, também ele espelhado na forma como nos revela a sua história de vida e da sua música, através de um disco reconhecido apenas três décadas depois da sua primeira edição. Uma história de luta, coragem e de sabedoria espiritual: a constante renovação de nós próprios (“We are ever new”). (Filipa Henriques)
In mid-late 1960s and early 1970s, Laurel Canyon was the epicentre of the counterculture. Many musical events took place there and many rock stars lived at that place. Alison Ellwood’s documentary uses rare videos, outtakes, demos and photos in order to pull the curtain on that mythical period, make us go back in time and explore the stories of musicians like Mamas and the Papas, Bob Dylan, Joni Mitchell, The Doors or Frank Zappa.
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Somewhat bigger than a neighborhood and smaller than a city. It watched closely the Los Angeles metropolis, but the orography and the surrounding nature acted as a protection from it. In the 1960s, Laurel Caynon was one of the epicenters of the musical American counterculture that defined the decade. Impressive as it may seem, it seemed everyone found a home, shelter and inspiration there: The Mamas And The Papas, The Doors, Love, Franz Zappa, Joni Mitchell, The Monkees, Neil Young and Stephen Stills’ Buffalo Springfield, Gene Clark and David Crosby’s Byrds – therefore, also Crosby, Stills & Nash. Them and those who came, guided by them, which could be The Beatles, Bob Dylan or Dennis Hopper.
“Laurel Canyon: A Place In Time” tells us, as the title goes, the story of a time and a place. Someone calls it “the garden of Eden”, but this is a garden made of electric sounds and the ambition to create in those mountain houses a new reality – free, creative and brotherly. Then came Charles Manson, time passed by, success corrupted brotherhood and youth experienced an heads-on collision with life outside that idyllic bubble. The fascinating and inspiring Laurel Canyon was inevitably doomed to fail, but that, in fact, only adds to the romanticism of the echo we still hear calling from the distance. (Mário Lopes)
Ao contrário do samba ou da bossa nova, a música eletrónica brasileira não tem sido objeto de abordagem pelo cinema. Este documentário procura preencher essa lacuna, traçando um percurso histórico que começa nas experiências pioneiras de Jocy de Oliveira e Jorge Antunes, nos anos 60, e vem até aos dias de hoje, com nomes como Alexx kidd, Savio Lopes, passando pelo trabalho da editora Cri du Chat e de veteranos como Anvil FX, Loop B. ou Apollo Nove.
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Na década de 1960, Jocy de Oliveira e Jorge Antunes já faziam as suas primeiras experiências no universo da música electrónica no Brasil. Os dois pioneiros não podiam imaginar a influência que suas composições teriam nas gerações futuras. Com o passar das décadas, a música electrónica popularizou-se e passou a ser um estilo de vida e um estado de espírito. Mas enquanto os músicos dominam as tecnologias em constante evolução, eles também reflectem sobre a relação entre o homem e a máquina. (Mickael Gaspar)
Nos anos 80, José Pinhal gravou um par de cassetes num estúdio de Matosinhos e depois foi esquecido. Foi apenas nos anos 2000 que a sua música começou a ser recuperada, em festas e na internet, transformando-o num dos mitos da música popular portuguesa.
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José Pinhal foi um estranho na multidão. Em seu redor, somente paira a grossa névoa do mistério. Sobra-nos, portanto, a sua palavra delicada e do que, com ela, nos canta José: dos cabelos da mulher sonhada, longos até à cintura, que se querem desfraldados ao vento, ou dos lábios saturados de vermelho daqueloutra que se deseja mas se não pode, derradeira panaceia para a polidipsia da alma. Um romântico de gostos simples na vida, eis enfim tudo sobre José Pinhal. A delicada lírica do cantautor, que tanto nos diz sobre a vida e os amores, é uma fortuna que só reconhecemos depois de partir dentre nós esta ave canora de Santa Cruz do Bispo. O reportório de José Pinhal é uma ode interminável ao Amor, ao bailarico de verão, ao perdão que nem sempre se nos é concedido. Se o amor é eterno na sua música, também José o é agora em A Vida Dura Muito Pouco; se Pinhal cantava o perdão, cantamos-lhe nós agora o nosso reconhecimento tardio. (Filipa Henriques)
Billie Holiday é uma lenda do jazz norte-americano. No final dos anos 60, como preparação para uma biografia que nunca chegou a escrever, a jornalista Lipnack Kuehl gravou mais de 200 horas de entrevistas com outros músicos, mas também familiares, amigos e amantes da cantora. James Erskine acede pela primeira vez a este material para uma abordagem à sua vida que restaura também algumas performances a cores e imagens de arquivo de Holiday.
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Conhecemos a história. Falamos, afinal, de uma das vozes do século XX, da mulher que carregava em si a história do jazz e que o transformou em expressão de uma vida de glória artística e de tumulto privado. Billie Holiday, nascida em 1915 e levada por uma vida de abusos e excessos em 1959, aos 44 anos, foi admirada por Duke Ellington, foi influência marcante para Sinatra, foi reflexo conturbado da transparente Ella Fitzgerald.
A partir de 1970, a jornalista Linda Lipnack Kuehl, que sabia tudo isso, dedicou-se nove anos a saber mais. Com o objectivo de escrever uma biografia, reuniu duzentas horas de entrevistas com amigos, amantes, agentes, familiares ou músicos como Count Basie e Sarah Vaughan. Linda Kuehl, a outra protagonista deste documentário, morreu tragicamente antes de concluir o seu livro, mas com as palavras que gravou reunidas às iluminadoras imagens de arquivo, a obra como que se concretizou. “Billie” é o retrato completo. (Mário Lopes)
A dupla portuguesa Rita Maia e Vasco Viana apresenta, em estreia mundial, “Batida de Lisboa”, uma viagem pelos subúrbios da capital. Neste documentário cheio de ginga, os realizadores dão-nos a conhecer a vida de uma série de músicos que vivem numa cidade com complexas lutas de identidade e que nem sempre lhes dá o devido reconhecimento. Aqui encontram-se diferentes gerações e origens, de Angola a São Tomé, de Cabo Verde à Guiné Bissau, representadas por antigos músicos de renome e jovens produtores cheios de energia.
Nos anos 1970 a banda mais popular da Zambia eram os Witch, os The Beatles da África central. Com uma mistura de rock psicadélico e ritmos africanos, eles atraiam multidões que dançavam sem limites. Os anos passaram e deles ficaram apenas a nostalgia e as gravações. O vocalista, Emmanuel Chanda, começou a trabalhar nas minas, sonhando encontrar um filão, e nunca mais subiu aos palcos. Mas em 2016, o artista Jacco Gardner conseguiu entrar em contacto com ele e gravaram um novo álbum. Há coisas que nunca se esquecem e ser uma lenda da música é uma delas. Em estreia mundial no IndieLisboa.
A animação colorida de Isabel Aboim Inglez tem uma origem, quadro a quadro, ou frame a frame, se preferirem, na complexa montagem do cinema das cenas breves. As tardes infantis (antes da electrónica e dos telemóveis) eram assim. Uma colina de revistas ‘Condor’, um batalhão de cowboys, do lado de lá, outro, de índios ávidos de setas e de sangue. Um gira-discos portátil a tocar Ennio Morricone. Ou melhor ‘Western Spaghetti’ (‘Murdering the Classics’).
Os Swans, na figura do seu mítico líder Michael Gira, são uma das bandas mais marcantes das últimas décadas pelo modo como souberam reinventar-se, passando do noise rock ao post-punk, pelo industrial e o sucesso do indie-rock dos anos 1990. O realizador Marco Porsia acompanha a banda desde 2010 e descobriu centenas de horas de material de arquivo inédito da primeira fase da banda. “Where Does a Body End?” é o primeiro documentário autorizado sobre os Swans e acompanha-os naquela que foi a sua última digressão, depois de uma extraordinária carreira de 35 anos. Em estreia mundial no IndieLisboa.
João Ribas é sinónimo de punk e, em Portugal, punk é sinónimo de João Ribas. Nome incontornável da música nacional e um dos principais impulsionadores do punk no nosso país. Esteve na origem de várias bandas importantes, como os Ku de Judas, os Censurados e os Tara Perdida. Influenciou várias gerações de jovens músicos mas sempre rejeitou a ideia de ser um ícone da música. “Um Punk Chamado Ribas”, de Paulo Antunes, conta com a participação de colegas, amigos, familiares e radialistas, fazendo um retrato do músico e prestando-lhe a devida homenagem.
Teddy Pendergrass foi o primeiro músico negro a receber cinco álbuns de platina consecutivos numa ascensão meteórica que deu ao mundo canções como ‘Don’t Leave Me This Way’ ou ‘Close the Door’. Em “If You Don’t Know Me”, combinando os doces rítmos das suas canções com entrevistas de amigos e admiradores, percorremos a carreira do maior artista do R&B, a quem chegaram a chamar «black Elvis», ao longo dos convulsos anos anos 1970 até ao acidente de carro que, em 1982, o deixou paralisado (com 31 anos). Mas nem isso o impediu de continuar a cantar!
A abstracção urbana como estímulo para a compreensão do movimento em falso. O artista plástico Xavier Almeida filma a cores, quase uma tela, um véu, sepia antigo, sobre o jazz de uma cidade que trabalha e se diverte, como os Rollana Beat já o haviam feito em 2000. Existe um ponto que não é final, uma mancha que atenua, perturba ou clarifica o nosso ente social. The smoke city with a dot.
Trompetista, líder, inovador. O homem que inventava sons que partiam o coração de tão belos. Rompia com as convenções, desrespeitava tradições, mas a sua visão, os seus implacáveis impulsos e sua constante sede de novas experiências fizeram dele uma inspiração para músicos e um ícone cultural para gerações de ouvintes. Foi inovador – do bebop ao “cool jazz”, quintetos modernos, música orquestral, jazz fusion, rock ‘n roll e até hip-hop. O filme mostra imagens inéditas, outtakes de estúdio e fotos raras.
Com a ajuda dos Rollana Beat, a realizadora Aya Koretzky assassina um dos mestres da repetição electromagnética aplicada ao som musical. Uma pasta lenta e morna, inexorável e viscosa, invade e vai tomando conta de tudo, do pouco que resta do compositor-inventor. A partir do canto superior esquerdo. Um mergulho vermelho sobre o epitáfio fotográfico. O sorriso afundado e um ponto final na canção retirada de ‘Big Sneeze’.