Para além de ser realizador, produtor e distribuidor na Dinamarca, Christian Braad Thomsen foi marcado pela amizade com Rainer W. Fassbinder. Depois de um livro (“Fassbinder: The Life and Work of a Provocative Genius”), Thomsen lança um documentário sobre uma obra em que a intimidade e história política da Alemanha se cruzam numa encenação mordaz sobre a sua sociedade corrupta e amores desfeitos. Com o testemunho inédito de actores e do realizador alemão, Thomsen traça a marca de Fassbinder na história do cinema – incluindo a influência e um encontro com Douglas Sirk.
Secção: Director's Cut
Em “E Agora? Lembra-me” (2013), Joaquim Pinto evoca uma passagem pelos Açores quando buscava uma aproximação à vida. “Rabo de Peixe” foi esse lugar intocado: onde as pessoas de uma terra renovaram o olhar de dois autores e companheiros (Pinto e Nuno Leonel), movidos pela beleza humilde das suas pessoas, dos seus corpos e do seu trabalho. Tal como Visconti viu, em “A Terra Treme” (1948), que o cinema vibrava na realidade, Joaquim Pinto e Nuno Leonel viram, nos pescadores de Rabo de Peixe, a razão para continuarem a filmar. Versão remontada e definitiva para cinema.
A partir de 1980 e durante 20 anos, Taipei foi a capital mundial do cinema. Autores como Hou Hsiao-Hsien (“A Cidade da Dor”, 1989; “Millennium Mambo”, 2002), Edward Yang (“A Bright Summer Day”, 1991; “Yi Yi”, 2000) e outros abriram novas possibilidades para o retrato do tempo e de como a história de famílias, de um país, e dos seus conflitos jogaram com o percurso das suas paixões e sentimentos. Entre a China continental e a atracção pelo Ocidente, as duas faces de Taiwan deixaram uma marca profunda tanto em realizadores asiáticos (Apichatpong Weerasethakul, Tsai Ming-Liang) como europeus (Olivier Assayas), todos eles deixando aqui o seu testemunho.
Pegando no ensaio de Siegfried Kracauer sobre o cinema alemão dos anos 1920 e 1930 (a relação do expressionismo alemão com os medos escondidos da sua sociedade), Rüdiger Suchsland cria um percurso que conjuga a liberdade criativa da indústria cinematográfica alemã da República de Weimar com os perigos eminentes da sua sociedade democrática (a recessão económica e a subida dos extremismos – tempos não muito longínquos, portanto) através dos filmes de Fritz Lang, F.W. Murnau, G.W. Pabst, Joseph von Sternberg, ou os inícios de Billy Wilder e Ernst Lubitsch.
Há filmes marcados por paisagens e paisagens para sempre marcadas por filmes. Talvez não seja possível andar por Nápoles e pelos caminhos de Pompeia sem nos lembrarmos de “Viagem a Itália” (1954) de Rossellini e uma relação que parece terminar antes de conhecer um verdadeiro milagre. Nos mesmos lugares, um outro casal (o realizador Vincent Dieutre e Simon Versnel) tenta reencontrar-se, no presente, entre a memória de um filme e as mudanças de uma paisagem filmada 50 anos depois.
Four By usa um excerto de seis segundos de imagens de arquivo Super 8mm de um filme amador de finais dos anos 1970, em loop. As imagens mostram um rapaz com um arco e uma flecha nas mãos. Mostram-se formatos de diferentes géneros de filmes, numa combinação dos três ratio (4:3, 1:1,85 and 2:2,35). A atenção concentra-se no formato dando a ver partes desconhecidas da imagem.
Homem de muitas facetas, este eterno forasteiro cultiva uma impressão de autenticidade e ambiguidade. Gosta de brincar com a própria imagem e só cria uma mitologia para a minar. Ilustra a América de Charlie Parker e de Dirty Harry. Continua a ser o mais enigmático dos grandes realizadores. Clint Eastwood acedeu a contar-nos os bastidores da aventura humana e criativa de um atleta completo: actor, realizador, produtor, compositor.
Na opinião de Christian Braad Thomsen, AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT é “a primeira obra-prima popular dentre os ‘filmes de cinema’ de Fassbinder”, que retoma aqui o género hollywoodiano do “filme de mulheres”, “mas tendo como protagonista uma mulher cujas ideias são fortemente marcadas pelos movimentos femininos dos anos setenta. A protagonista, Petra von Kant, divorcia-se por se sentir oprimida pelo marido e passa a ter uma relação lésbica, tornando-se de imediato a opressora no seio do novo casal. Sucumbe ao comportamento que ela própria criticara, o que não tornou o filme muito popular entre os movimentos feministas da época. (Cinemateca Portuguesa)
Juntamente com a irmã adolescente e uma horda de órfãos, o jovem Guy Maddin atrasa-se numa pouco estimulante juventude na misteriosa ilha que um dia herdará. Quando uns recém-pais adoptivos descobrem feridas misteriosas nos seus filhos, dois detectives adolescentes visitam a ilha em investigação. À medida que esta progride, os miúdos são confrontados com a mais negra revelação e repressão, trazendo à superfície os terríveis segredos da família de Guy.
O cinema cuida-se com luvas brancas – assim o era quando metros de película exigiam cortes e recortes, pelo olhar de montadores e realizadores, antes de se encontrar um filme numa rodagem de muitas horas. A era digital veio dispensar as luvas – mas não uma delicadeza redobrada em imagens vistas e revistas até surgir o corpo de um filme e, depois, o seu espírito e versão definitiva. Mais ainda se falarmos de Manoel de Oliveira e da sua montadora Valérie Loiseleux (“Vale Abraão”, 1993; “O Convento”, 1995; “Vou Para Casa”, 2001; “Espelho Mágico”, 2005; “O Estranho Caso de Angélica”, 2010; “O Gebo e a Sombra”, 2012; entre outros).
O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA é a concretização de um projeto perseguido ao longo de várias décadas. Mantendo o essencial da história, Oliveira adaptou-a aos dias de hoje: “Uma noite, Isaac, jovem fotógrafo, hóspede da pensão de Dona Rosa na Régua, é chamado de urgência por uma família rica para tirar o último retrato da filha da mesma, Angélica, uma jovem que morreu logo após o casamento. Na casa em luto, Isaac descobre Angélica e fica siderado pela sua beleza. Quando coloca o olho na objetiva da sua máquina fotográfica, a jovem parece retomar vida, apenas para ele. Isaac fica instantaneamente apaixonado por ela. A partir daí, Angélica atormentá-lo-á noite e dia, até ao esgotamento.” (Cinemateca Portuguesa)
Inventário da génese, erupção e ressonância de A Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha. Composto por cenas inéditas das 60 horas de material bruto encontrado, é mais do que um tributo ou um relato histórico. Narrado na primeira pessoa pelas vozes de Glauber: o realizador expõe-se inteiramente anos luz à frente do seu tempo, inventa uma narrativa cinematográfica que, 30 anos depois, está finalmente a ser assimilada pelas novas gerações.
A trilogia “Paradies” já tinha recebido um foco especial no IndieLisboa 2013, revelando a visão de um autor inimitável do cinema europeu – excepto nas caves escondidas onde corpos e casais se entregavam às suas pulsões mais secretas. “Ulrich Seidl – A Director at Work” é um olhar privilegiado sobre a curiosidade de um realizador e os motivos que o prendem a esses mesmos corpos: figuras verdadeiras que se dispõem a abrir as portas da sua intimidade para jogos de prazer, de dor, ou manipulação. Palavras que também se aplicam, no caso de Seidl, à fabricação de um filme (aqui, o documentário “In the Basement” e a encenação de uma peça de teatro).
Um dos mais lendários filmes de terror da história do cinema, que praticamente fundou o género nos estúdios da Universal, assim como DRACULA. Boris Karloff interpreta de maneira inesquecível a figura do monstro, que acaba por receber o nome do seu criador e conquistar a imortalidade, tal como a obra literária em que se inspira, o romance de Mary Shelley. FRANKENSTEIN continua a ser uma maravilha poética.
Quem nunca viveu antes da revolução, não conheceu a doçura de viver. A célebre frase de Talleyrand (que se referia especificamente à Revolução Francesa) é citada em epígrafe nesta segunda longa metragem de Bertolucci, à qual também serve de título. O filme é a história da educação sentimental de um jovem burguês de Parma, às voltas com um envolvimento sentimental incestuoso com a tia e com a relação com o seu mentor intelectual, um pensador mar¬¨xista. Um filme ao mesmo tempo confessional e intelectual, magnificamente realizado, talvez a obra-prima do realizador, então com 24 anos.
Ensaio sobre os militares e o poder, frase que também pertence ao título de GESTOS E FRAGMENTOS, resume o espírito do filme, assente em três pontos de vista sobre o mesmo tema: os de Otelo Saraiva de Carvalho e de Eduardo Lourenço, nos seus próprios papéis, e o protagonizado por Robert Kramer, como um jornalista americano embrenhado na procura de explicações para o processo tomado pela Revolução portuguesa. Certeiro e mortífero. Um dos mais impressionantes olhares cinematográficos sobre a revolução de Abril.
Foi com O ROSTO que Bergman passou a ser visto como um cineasta “hermético” e “difícil”, depois do impacto causado por SORRISOS DE UMA NOITE DE VERÃO, O SÉTIMO SELO e MORANGOS SILVESTRES. Foi considerado durante algum tempo o filme mais críptico de Bergman, embora obras muito mais árduas estivessem por vir. Bergman tinha em mente uma comédia, mas o filme tem início com um andamento trágico, antes de passar a um jogo sobre a ilusão das aparências. Ingrid Thulin tem nesse filme um dos seus mais fortes desempenhos, fazendo-se passar por um rapaz em certo momento.
O filme de Augusto Contento e Adriano Aprà volta a um título fundamental da cinematografia italiana, o primeiro dos filmes de Rossellini com Ingrid Bergman, Stromboli, Terra Di Dio (1950), filmado na ilha vulcânica de Stromboli em cuja poética se detém. Rosso Cenere integra imagens de arquivo da cópia restaurada de Stromboli, sequências documentais de Vittorio De Seta e filmes amadores inéditos de Ingrid Bergman. Tem por protagonistas quatro homens originários da ilha que estiveram envolvidos na produção do filme e o próprio Adriano Aprà, crítico de cinema especialista na obra de Rossellini.