O mítico Jacques Ledoux, director da Cinemateca Belga, fundou, em 1949, o mais importante evento da história do cinema experimental: o festival Exprmntl. Ali, foram exibidos os filmes surrealistas, dadaístas e abstractos do início do século e os nomes maiores do experimentalismo pós-guerra: Stan Brakhage, Peter Kubelka, Robert Breer ou Kenneth Anger. Exprmntl revisita as turbulentas cinco edições deste festival, recorrendo a excertos de filmes raros e entrevistas a figuras como Agnès Varda, Jonas Mekas, Harun Farocki e Michael Snow.
Secção: Director's Cut
Foi o projeto louco de Werner Herzog. Tão louco e megalómano como o da sua personagem, Fitzcarraldo (Klaus Kinski, num icónico papel), que apostou levar a ópera (e Enrico Caruso) ao coração do Amazonas, numa viagem que é uma odisseia. Odisseia que o filme conta e o filme viveu, tão desmedida uma como a outra.
O colosso do cinema experimental austríaco Dietmar Brehm constrói, em Hallo Mabuse, uma hipnótica e conspirativa apropriação de Das Testament des Dr. Mabuse (1933), de Fritz Lang.
Segundo a lenda, durante a turbulenta rodagem de Fitzcarraldo (1982), o líder de uma tribo da Amazónia propôs a Werner Herzog matar Klaus Kinski, para restabelecer a paz: Killing Klaus Klinski leva-nos ao set do filme, no dia em que tudo aconteceu.
Adaptação para o século XX de um capítulo de Jacques le fataliste, com diálogos de Jean Cocteau, Les dames du bois de Bologne é uma história de vinganças amorosas, encenações e arrependimentos. Foi o filme que consolidou a reputação de Bresson. O filme é a segunda longa metragem do realizador e a última em que trabalhou com actores profissionais. A partir de então, Bresson preferiu “modelos”, porque “somos complexos e aquilo que o actor projeta não é complexo”.
Stuart A. Staples, o músico fundador da banda Tindersticks, estreia-se na realização com Minute Bodies, The Intimate World of F. Percy Smith: uma experiência imersiva que é também uma deslumbrante e sentida homenagem ao realizador pioneiro do microcinema, F. Percy Smith. O mundo das células, dos protozoários, dos insectos e das plantas é aqui visto como nunca antes. Remontando fragmentos do trabalho de Smith, feito a partir dos anos 1920, ao som de uma banda-sonora hipnótica, pelos Tindersticks, Staples oferece-nos um novo olhar sobre uma obra até agora totalmente esquecida.
Raoul Ruiz morreu em 2011, deixando uma obra que conta com 118 filmes, entre longas e curtas metragens. A realizadora Alejandra Rojo recorda como Ruiz gostava de estar com os seus amigos e de com eles bem comer e bem beber. Esta paixão pela vida encontra-se nos seus filmes e Rojo – partindo de excertos de filmes, antigas entrevistas ao realizador e depoimentos de colaboradores, incluindo o seu produtor português, Paulo Branco – mergulha numa análise da relação entre o homem e a obra, apresentando três possíveis linhas de leitura: a poesia, a ciência e a infância.
Filipe Afonso (Walk in the Flesh e Atracados, IndieLisboa 2012 e 2014) elabora, em Special A/Effects, uma reflexão sobre a história do cinema enquanto história de artificiosas ilusões.
Tati vs. Bresson: The Gag é um ensaio fílmico de Mark Rappaport (cujo Sergei/Sir Gay é exibido na secção Silvestre), onde se comparam os olhares de dois realizadores (aparentemente) muito diferentes.
Adaptação de uma peça de Bernardo Santareno, por sua vez inspirada num facto verídico, ocorrido no norte do país em 1908. A história de uma mulher que se julga possuída e que é queimada numa fogueira pelo povo da aldeia como forma de exorcismo, depois de dois homens se terem suicidado por amor dela. Um requisitório contra a superstição num dos filmes mais interessantes de Manuel Guimarães.
Young Mr. Lincoln por Eisenstein é um divertido ensaio audiovisual, onde se remonta o filme de Ford, segundo o estilo do realizador russo, um dos seus maiores fãs.
Manuel Guimarães é um dos mais importantes cineastas portugueses mas, ao longo dos anos, o seu trabalho foi sendo esquecido. O único realizador neo-realista do cinema nacional deixou uma obra sem igual, onde retratou duramente a sociedade do Estado Novo e, por isso mesmo, foi vítima da censura. Em 2015, comemoraram-se os cem anos do seu nascimento e a realizadora Leonor Areal (curadora da exposição e retrospectiva Manuel Guimarães – Sonhador Indómito) faz, em Nasci com a Trovoada, a sua homenagem a um artista atormentado, “sempre cheio de dúvidas e de aflições”.
Com a chegada do cinema digital, Paul Vecchiali passou a filmar com uma violenta urgência. Em Un, parfois deux…, Laurent Achard acompanhou a rodagem dos dois filmes que Vecchiali filmou em 2015, na sua casa de Plan de la Tour: C’est l’amour e Le Cancre (ambos parte da retrospectiva dedicada ao realizador). O documentário revela os métodos do octogenário cineasta, observando-o em longos planos fixos distanciados que demonstram a intimidade do seu processo e nos fazem compreender as qualidades únicas do seu cinema.
Na srebrnym globie começou a rodagem em 1976 e era o mais ambicioso projecto de Andrzej Żuławski e a maior produção da história do cinema polaco. O Ministério da Cultura considerou o filme subversivo e impediu que fosse terminado. Só após a queda do regime comunista, o realizador pôde regressar ao material inacabado, completando-o com cenas contemporâneas, onde a sua voz narra as sequências em falta. Um filme de ficção científica maldito, raramente exibido, surge agora num restauro digital que revela o artista visionário que era Żuławski (falecido o ano passado).
Eram os anos 1960 e, na Alemanha, a nova geração de cineastas era conhecida como o “Grupo de Munique” e o seu ponto de encontro era o bar The Bungalow, junto ao cinema Türkendolch. A musa desses realizadores (encabeçados por Klaus Lemke e Rudolf Thome) era a deslumbrante Iris Berben. É ela que nos conduzirá numa viagem com o crítico Uwe Nettelbeck de volta aos filmes que protagonizou e a uma era marcante no cinema alemão. Recorrendo a encantadoras entrevistas e excertos de filmes raros, Zeigen was man liebt recupera o espírito e os excessos criativos de uma geração.
Para Guy Maddin, o cinema é sonho, fantasia e fantasmagoria. Em 1000 Eyes of Dr. Maddin, Yves Montmayeur expõe a obsessão do “David Lynch canadiano” pelos filmes perdidos do mudo, tendo como principal objecto Seances. Neste bizarro “projecto interactivo” convocam-se os espíritos desassossegados dos filmes desaparecidos em sessões espíritas onde intervêm vários actores de renome, tais como Mathieu Amalric, Charlotte Rampling e Maria de Medeiros.
O cinema que vê é um ensaio sobre o cinema “como extensão do olho humano”, feito de filmes dos Lumière, Vertov e Varda.
A directora de fotografia Caroline Champetier queria fazer um “filme sobre o gesto”. Gesto de quem? De um colega de profissão, “pessoa muito secreta que foge como um animal selvagem”. Trata-se de Bruno Nuytten, também realizador e professor na La Fémis. Entre Caroline e Bruno partilha-se uma boa parte – ou a parte boa – da história do cinema moderno: Godard, Duras, Téchiné, Doillon, etc.. Enquanto Bruno ocupa o tempo a colocar chão numa das divisões da sua casa, Caroline vai carpinteirando uma reflexão acerca da relação entre arte e artesanato.