Uma festa de bairro, música, drones, churrasco e gelados. E depois uma acrobacia. “Fest” é uma simulação animada com base em vídeos do Youtube.
Secção: Competição Internacional
Filmado a preto-e-branco, em película 16mm processada à mão, “Bait” conta a história de uma pequena localidade na Cornualha onde os antigos modos da pesca se vêem progressivamente alterados pela invasão do turismo. O confronto entre dois irmãos desavindos sobre como lutar pelo pão de cada dia forma o centro dramático deste filme expressionista onde o analógico, mais do que opção estética, é modo de vida. Aliás, Mark Jenkin escreveu o manifesto ‘Silent Landscape Dancing Grain 13’ em defesa do «cinema manual». A sua curta “David Bowie Is Dead” está também na Competição Silvestre.
Um restaurante à beira rio, uma mulher e um homem, silêncio, as árvores ondeiam ao sabor do vento e o passado projecta-se na outra margem do rio: a realidade funde-se e o medo assoma das profundezas, em “A Million Years”.
Uma jovem apanha boleia de um tipo esquisito mas divertido. Conversa puxa conversa e estão os dois a flipar numa trip de ácidos, em “Acid Rain”. Novos mundos se descobrem, uns mais belos que outros.
Céline Devaux (Vie et mort de l’illustre Grigori Efimovitch Raspoutine e Le repas dominical, IndieLisboa 2013 e 2016) experimenta a imagem real, sem esquecer a animação, para pintar uma relação em ruínas, um Gros chagrin.
Tommaso Campanella, filósofo preso pela Inquisição, torturado e condenado à morte, inspira Il Sole S’Incrina: uma animação que encontra nos raios catódicos ACidade do Sol, o famoso diálogo do pensador.
Bertrand Mandico é provavelmente o mais punk dos cineastas franceses contemporâneos. O IndieLisboa vem acompanhando o seu trabalho, tendo exibido, nos últimos anos, Prehistoric Cabaret, Notre Dame des hormones e Depressive Cop. Les garçons sauvages é a sua primeira longa, um filme que combina a fantasia, o erótico, o filme de piratas e o body horror para construir uma parábola sobre a identidade de género. Uma estonteante alucinação de cores e texturas que venceu o Grande Prémio da Semana da Crítica no festival de Veneza. Um filme que põe o Q em Queer.
É verão e Mila estuda fervorosamente piano para uma audição que se aproxima. Niki, o seu irmão, ocupa os dias a chateá-la. Todor, o pai, é um astrofísico com pouco jeito para gerir situações domésticas.3/4, como o título explica, remete para uma ausência, para a parte que está em falta na unidade: a mãe. A segunda obra do realizador búlgaro Ilian Metev (vencedora do Leopardo de Ouro na secção Cineastas do Presente do Festival de Locarno) é um elegante retrato de uma família que procura o ponto de equilíbrio, depois de um tropeção. Um filme que representa a ausência através dos gestos do quotidiano.
O grande vencedor do festival de Clermont-Ferrand foi Drżenia: um conto atmosférico que retrata uma adolescência polaca sobre skates, em particular um rapaz afligido por tremores, onde o facto e a representação se confundem.
Depois das curtas Lição de Esqui, O Completo Estranho e da longa António Um Dois Três, Leonardo Mouramateus regressa ao festival acompanhado de Andréia Pires para uma explosão de juventude queer e descolorada: Vando Vulgo Vedita.
Piero passa os dias da reforma a jardinar, a ver televisão, a ler e a cantar no coro da igreja. No entanto, na cave da sua casa, encontra-se com o realizador Giovanni Donfrancesco para falar das suas memórias. A câmara fá-lo recordar os tempos da Decima MAS, uma das mais violentas milícias do fascismo italiano. Como chega a afirmar, “Não era um grupo militar, era um gangue”. Das conversas tece-se um jogo de mitificações, egos e memórias que ilustram um arrepiante passado, ainda muito mal “resolvido”. Um passado repleto de segredos e revelações, entre elas o paradeiro do tesouro de Mussolini.
Schneewittchen é um filme-ensaio sobre os propósitos culturais que se dão aos corpos depois da sua morte: dos mausoléus dedicados a ditadores (Lenine, Estaline, Mao), aos animais empalhados dos museus ou os relicários religiosos.
Num casarão vivem três crianças completamente sozinhas e em total liberdade. As regras do reino são ditadas pela irmã mais velha, de apenas oito anos. Os dias passam-se jogando à apanhada, comendo caramelos e ouvindo contos para adormecer. A argentina Alessia Chiesa filma uma espécie de Hansel e Gretel em que a bruxa foi dar uma volta porque já não aguentava o chinfrim dos miúdos. E na ausência dos adultos as nódoas na roupa e os pratos sujos foram-se acumulando. Em El día que resistía a fantasia é perturbada por um desassossego documental, e nem tudo são histórias de encantar.
A realizadora chinesa Gu Yu regressa a uma escola do seu país (com o acompanhamento de Nicolas Philibert) para realizar um intransigente retrato de Peipei: uma estudante que é bode expiatório para todos os colegas e professores, emLa bonne éducation.
O realizador argentino Juan Renau visita, em El cielo de los animales, um concurso de beleza canina, para expor a violência sobre os animais, mas acaba por descobrir, mais que tudo, uma enorme solidão, dos cães e dos seus donos.
Depois de na passada edição o IndieLisboa ter exibido a curta de Gustavo Vinagre Os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos, este ano Lembro Mais dos Corvos – a primeira longa do realizador – é totalmente dedicada a uma das protagonistas dessa curta, a actriz trans Júlia Katharine. Um retrato que, sob o manto de uma aparente simplicidade, revela uma mulher para a qual o cinema se tornou espelho. Um dia na vida de Júlia, onde os recantos da encenação se vão, discretamente, enunciando. Histórias e memórias para afastar a insónia.
Histórias de Lobos explora a mitologia de Trás-os-Montes a partir dos contos que se ouvem da boca dos habitantes de Pitões de Júnias: e entre o real e o imaginado sobra a luta do homem com o selvagem.
Nas ruas de Montmartre três estranhos cruzam-se e de uma troca de olhares surge a possibilidade de um ajuste de contas: Dansons maintenant é uma comédia ácida e surreal sobre uma juventude desajustada.