Poslednja slika o ocu

Durante 7 anos, Stefan Djordjevic viu o seu pai apenas uma vez antes dele morrer. Com base nas imagens e memórias que reteve, o realizador dá-nos uma terna história de despedida de um pai, doente terminal, que procura encontrar uma nova casa para o seu filho.

Despojados de qualquer objecto para além de um telemóvel que se parte numa corrida para tentar apanhar um autocarro, um pai solteiro e o seu filho criança são forçados a pedir boleia para chegar a Belgrado. A resiliência persiste, Dusan e Laza estão nisto juntos a longo termo. Qualquer que seja a forma que esse longo termo possa tomar. Como se prepara o destinatário de todo o nosso amor para a nossa ausência perpétua? Um filme sóbrio mas afectivo sobre a ausência e o adeus. (Ana David)

El Año del Descubrimiento

1992 foi um ano importante para Espanha: os Jogos Olímpicos de Barcelona e em Sevilha, a Exposição Universal. Mas a narrativa de um país próspero e moderno teve o seu reverso. Como numa grande obra enciclopédica iluminista, o realizador irá escutar as conversas de um típico bar de Cartagena, dando voz às pessoas – trabalhadores, desempregados, manifestantes – que viveram a chegada da crise económica, o fecho das fábricas e várias revoltas incendiárias.
Através de uma recolha meticulosa de depoimentos, El Año del Descubrimiento foca-se no ano de 1992 que deu lugar à Expo de Sevilha, aos Jogos Olímpicos em Barcelona e à revolta da classe trabalhadora que incendiou o Parlamento de Múrcia. Na segunda longa-metragem de Luis López Carrasco, o realizador trabalha novamente num discurso documental, desta vez através do revivalismo histórico e social de conversas esquecidas num bar em Cartagena, Espanha. O filme é composto pela contribuição de 45 cidadãos de bairros periféricos de Cartagena e La Unión, e da narração das suas memórias daquele tempo. Um momento histórico quase esquecido é trazido à luz do presente sublinhando a im­portância do diálogo sobre consciência de classe, a crise económica e o papel dos sindica­tos. Sobretudo, um filme que ilumina a importância do resgate da memória depois do esqueci­mento encoberto pelo passado, e o consequente poder vital do cinema na sua recuperação. (Inês Lima Torres)

There Will Be No More Night

To shoot: a gun or a movie camera. The military analogy is born with the beginning of cinema. Eléonore Weber’s (Les Hommes Sans Gravité, IndieLisboa 2008) documentary is exclusively based upon footage recorded by French and American soldiers in Iraq, Syria and Afghanistan.  From the top of their helicopters, a viewfinder scans the night and watches for suspicious activity from moving heat dots. They have the power to take or keep lives.

“”There is always the risk of being wrong, but once we open fire, it is difficult to stop””. When flying in the theater of external operations, all that the military helicopter pilots see is filmed and then archived. It is by relying exclusively on these images and on the anonymous testimony of a pilot that the director Eléonore Weber created There will be no more night, an amazing and meticulous documentary telling the war entirely in the eye of the beholder and gradually expanding from very precise technical explanations to broader questions on morality and society. Restoring the decryption of different situations by her anonymous witness pilot, the filmmaker scrolls through a large sample of terrifying episodes where surveillance, frightening precision of the shots, the anguish of errors (which inevitably occur) intermingle. From mountains to cities, bodies fall on the screen, the wounded are finished, passers-by walk… the camera’s eye rivets them… The most recent cameras can suppress the night: “”Soon, some will see as if it was daylight. The rest will remain in darkness.”. (Mickael Gaspar)

Eyimofe

Todos os anos Nollywood, a Hollywood nigeriana, produz cerca de mil filmes. Destes quase nenhuns viajam para fora de África. Caso diferente para a primeira longa metragem dos irmãos gémeos Esiri que, a partir de duas histórias, em certo sentido também elas gémeas, abordam o desejo de sair para a Europa. Mofe, um homem que faz reparações numa fábrica e Rosa, empregada de bar e cabeleireira, procuram uma saída da colorida e aprisionante capital, Lagos.

O desejo que move duas histórias autónomas cruza-se na esperança comum das suas personagens de migrarem para outro país. Espanha e Itália são as duas partes do filme, duas cidades-sombras (ou cidades-sóis) que nunca se chegam a materializar no filme em ruas que as personagens possam percorrer. Não conseguem sair de uma vibrante e desigual Lagos: a jornada de Mofe e Rosa é o centro da acção – dos desesperantes impedimentos financeiros e burocráticos às tragédias pessoais que, note-se, os irmãos Esiri nunca deixam cair no dramatismo excessivo, nesta forte primeira obra para cinema. Mofe e Rosa querem um futuro melhor para o seu núcleo, mas o que o filme questiona é se essa Europa-futuro não será mais que uma ilusão e se Lagos não será igualmente decepcionante. Procura-se o desejo de Mofe e Rosa e o território a que pertence. (Mafalda Melo)

Toomas teispool metsikute huntide orgu

O pai lobo perdeu o seu trabalho, mas como é um bonzão resolve começar a trabalhar às escondidas como gigolô para manter a família. Por sua vez, a mãe lobo, que está de balão, também tem os seus segredos envolvendo seminários de emancipação feminina.

Toomas é um lobo engenheiro num trabalho muito bem pago; ele é também extremamente atraente. É despedido e vê-se sem rendimentos para suportar a sua família que inclui a sua companheira grávida Viivi. Toomas encostado à parede aceita um trabalho como gigolô. Viivi inscreve-se numa conferência sobre empoderamento feminino. As situações e peripécias escalam e as duas viagens sobre descobertas sexuais que Toomas e Viivi fazem culminam numa bizarria sem igual. (Rui Mendes)

Mardi de 8 à 18

Névine é monitora numa escola secundária, empenhada num trabalho ingrato entre professores, administração e alunos. Logan, um aluno de que ela gosta bastante, insiste em recuperar um boné dos perdidos e achados. Um gesto com inesperadas repercussões.

O caos organizado de uma escola marca o quotidiano profissional de Névine, uma jovem monitora cuja prioridade é ajudar os alunos, não controlá-los. Quando Logan, um dos adolescentes mais irrequietos, se vê envolvido num desentendimento, ambos vão perceber o quão o sistema escolar não está preparado para responder às individualidades dos seus alunos. Mardi de 8 à 18 é um filme de infinita doçura, humor comovente e minucioso entendimento do ecossistema escolar, capaz de nos atirar a todos de novo para as cadeiras da sala de aula. (Ana David)

Suspensão

Em 2013, Soares venceu o prémio Novíssimos do IndieLisboa com a curta de animação Outro Homem Qualquer. Agora regressa para dar imagem e som a um movimento preciso de suspensão: um homem triste no seu quarto num momento de indecisão.

Imóveis e sozinhos, um homem, outro homem, numa cama, à janela, deixam-se estar presos no ar das coisas e no corpo. Moscas e flores, chaves, uma atmosfera em movimento num espaço que respira, quieto e quebrado, e vê o tamanho do gesto. A suspensão está em linha… Lá fora, a cidade repete gestos, acelera a mecânica; cair, partir, levantar… isolar as coisas, abrir o olhar, calibrar o tempo. Um filme que sabe esperar. (Carlota Gonçalves)

 

Lúa Vermella

Em 2014, o IndieLisboa mostrou o documentário Costa da Morte passado nessa região galega, de onde é natural Patiño. A sua paisagem e histórias contêm uma forte carga onírica e fantástica que aqui são exploradas nesta ficção sobrenatural sobre a procura de Rubio, um mergulhador que teria resgatado dezenas de cadáveres de náufragos. As imagens estão paralisadas com seus habitantes e as palavras flutuam como aparições, entre fantasmas, bruxas e monstros.

Lois Patiño pertence, ao lado de autores como Eloy Enciso ou Oliver Laxe, a uma interessante nova geração de cinema galego. Em 2014, o IndieLisboa mostrou a sua primeira longa, Costa da Morte, um documentário passado nessa região galega de onde é natural. Agora retorna a esse local explorando o imaginário mítico e sobrenatural dessa vila costeira de quem se dizia antigamente ser o “fim do mundo”, devido ao elevado número de naufrágios. Os seus habitantes permanecem imóveis como quadros, tudo se passa hoje como há mil anos. O que aconteceu a Rubio, o mergulhador que outrora reclamava os corpos dos naufragados? Pensa-se que tenha sido o monstro que leva as pessoas vivas, mas não as devolve mortas. No universo de Lúa Vermella, que tem tanto do cinema de Tarkovsky como da literatura de H. P. Lovecraft, habitam os fantasmas, as bruxas, os espelhos, o mar e a lua. Sussurra-se, anda-se, espera-se e planeia-se fora das imagens e dentro do som. (Carlos Natálio)

 

A Febre

O filme que arrecadou em 2019 o prémio da crítica no Festival de Locarno é um drama acerca das pressões de um modo de vida urbano e moderno. No centro da primeira ficção da realizadora brasileira Maya Da-Rin está Justino (Regis Myrupu), um homem de meia idade, viúvo, de origem indígena que trabalha no porto de Manaus. Quando a sua filha o informa que quer ir estudar enfermagem para a cidade de Brasília, este vê-se acometido de uma estranha febre…

Justino é um indígena Desana de 45 anos que trabalha como vigia no porto de cargas de Manaus, uma cidade industrial cercada pela floresta da Amazónia. Desde o falecimento da sua mulher que a sua filha é a sua principal companhia. Ainda assim, Vanessa, que trabalha como enfermeira, é aceite para estudar medicina em Brasília, longe de Justino. Aquando desta notícia e confrontado com a opressão da cidade, Justino entra num estado lânguido e febril e começa suspeitar que uma criatura misteriosa segue os seus passos. A origem enigmática da sua condição e a aproximação misteriosa da floresta, faz crescer uma atmosfera onírica que contagia o espectador com a mesma sensação febril. Justino conta a história de um homem cuja profunda conexão com o mundo natural o faz desconfiar dos instintos predatórios dos humanos. Nesse sentido, A Febre inscreve-se como uma fantasia, ou uma história fantasmagórica. Este resultado sente-se sobretudo no híbrido construído por um trabalho de ficção cruzado com personagens não-actores, o que desafia a percepção do espectador sobre o realismo mágico do filme. (Inês Lima Torres)

 

O Cordeiro de Deus

Após a estreia de Onde o Verão Vai: episódios da juventude (Festival de Berlim, 2018) David Pinheiro Vicente continua a dar-nos um cinema sensorial, do toque e do olhar. Produzido por Gabriel Abrantes, esta é a Páscoa do crescimento, do desejo e da carne.

Diogo vive entre crianças angelicais e adultos falhados. O desejo fá-lo crescer, apesar das delícias da infância lhe cantarem, ainda, inocentes loas. Também David (Pinheiro Vicente) filma entre a delicadeza e a sujeira, ou seja, entre um onirismo sensorial e o cheiro do sangue. Tudo se mistura, elíptica e metaforicamente, num bordado encardido por fragmentos daquilo que talvez sejam sonhos, memórias ou visões (à imagem da teia de apetites que liga as personagens adultas). No centro, de tudo, uma tensão de morte e de culpa (que acabam por se complementar em ritual sacrificial). (Ricardo Vieira Lisboa)

Notes on the White Plastic Chair: The Movie

Em quase todas as esplanadas de Verão podemos ver, à volta da mesa ou empilhadas, aquelas cadeiras plásticas brancas muito leves. Este é um filme-ensaio, assinado por um coletivo de arquitetos mexicanos, sobre a famosa cadeira monobloco.

Um filme ensaio sobre cadeiras de plástico brancas. Roubamos para esta sinopse as evidências do próprio filme: podemos confiar cegamente num restaurante com cadeiras de plástico brancas. É um sinal da impossibilidade de o peixe não ser fresco, uma indicação de total confiança no próprio alimento. O plástico causa e causou grandes danos à natureza, mas nunca por meio da cadeira de plástico branca, pois todas as cadeiras de plástico brancas já produzidas ainda estão em uso. Se quisermos encontrar óptimas imagens de cadeiras de plástico, não convém pesquisar no google “cadeira de plástico branca”, mas qualquer outra coisa que nos vier à cabeça, assim encontraremos imagens perfeitas de cadeiras de plástico brancas. Provavelmente um dos filmes mais divertidos do IndieLisboa. (Carlos Ramos)

 

Os Últimos Românticos do Mundo

Estamos em 2050. O mundo vai acabar dentro de poucas horas numa espécie de nuvem rosa de algodão doce. A palavra de ordem é: amem-se. Pois quem pegou pegou e lá no céu ninguém trepa não.

Uma nuvem rosa aproxima-se e vai ser o fim do mundo! Afinal parece que o vírus foi lançado antes do tempo. Esta fábula queer futurista, vivida em dois tempos narrativos com contornos pouco definidos, permite-nos ir descobrindo uma belíssima história de amor, que poderia ter sido vivida por Thelma e Louise. A estética rosa está vertida nos cenários, no guarda-roupa e nos filtros espampanantes, e alude a muitas referências de videoclip ou jogos dos anos 80. Descoberto no último Festival de Tiradentes, a aventura épica de Arruda, qual vírus bom, arrisca-se a contaminar muita gente. (Miguel Valverde)

 

Pol.len

Uma rapariga regressa a casa em Barcelona, mas já pouco reconhece devido aos efeitos do turismo. Caminha pelas ruas como por um sonho estranho. O seu velho apartamento, onde viveu um amor passado, é agora um Airbnb. Segunda presença no IndieLisboa.

Amor em tempos de gentrificação. Anna regressa a Barcelona por poucos dias. Ao percorrer o bairro onde anteriormente viveu um grande amor, torna-se inevitável não ceder às memórias que tem naquele espaço, agora alterado pela invasão turística. Uma narrativa que trata o realismo mágico com um charme que lembra o cinema de Hong Sang-soo. (Duarte Coimbra)

 

Seabird

A memória do amor tem certos brilhos. Ela também possui o som do mar, o piar dos pássaros na floresta, um passado disfarçado de aparição. Numa tarde soalheira, Pedro reencontra Inês.

Numa tarde de sol veranil, Pierre e Bastien encontram-se para tomar café à beira mar. A conversa faz lembrar um amor antigo que volta à superfície. No caminho do seu passado, entre floresta misteriosa e mar cativante, será que Pierre e Inès verão o futuro? (Duarte Coimbra)

 

Shānzhài Screens

Todas as noites em Shenzhen, na China, um sem número de pintores de réplicas põe-se ao trabalho. Paul Heintz, terceira participação no festival (Non-contractuel, 2016 e Foyers, 2019), vai registar o seu quotidiano, entre a arte e o trabalho de colarinho azul.

Plano a plano, vamos desbloqueando o mistério de Shānzhài Screens. Ao seguir as ações artísticas e tecnológicas de um grupo de copistas, Paul Heintz reflete sobre o momento em que estamos, na história da pintura e da arte, onde a ideia de copiar um quadro parece ter-se transformado na de copiar um ecrã. (Duarte Coimbra)

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Sukar

Eis um dia quente na praia de Casablanca em Marrocos. Através do delicado e divertido estilo de El-Faris… o desejo que nasce na adolescência… a brincadeira e a curiosidade das crianças… os adultos a serem adultos em vão.  

Miúdos e graúdos num dia de praia em Casablanca, Marrocos. Ninguém está sozinho, as interacções sucedem-se, o desejo e a curiosidade estão às claras. O divertimento é rei e a ternura é incontível. No final do dia toda a irreverência valeu a pena. Como sempre vale. Um filme tão profundamente livre e doce quanto a história que conta, Sukar é uma lição em montagem e economia narrativa, profundamente consciente das capacidades do cinema como linguagem universal. (Ana David)

 

Symbiosis

Uma melga que se escapa de boa. Uma tatuagem de um tigre. Coleccionar provas de infidelidade. Voyeurismo de traição. O adultério e a caça. Repensar as relações e a sexualidade. Animação adulta. O sorriso e o orgasmo solitário.

Uma mulher à espreita. Uma inquietação constante. O acto de lidar com uma infidelidade é como estar a olhar para um espelho e questionar-se quem será a mais bela. Mas as coisas não duram para sempre e os pequenos objectos fazem toda a diferença. E a seguir à dúvida, vem a curiosidade. E um conhecimento interior. E uma nova vida. Sou eu a mais bela.

 

Tendre

O Verão está uma brasa. E junto ao lago, Mia, 11 anos, pergunta a Hugo, com os seus já veteranos 15 anos, como foi a sua história de amor com Chaïnes. A linguagem da infância e da memória em torno do amor, do toque, do insulto, da tormenta, do beijo…

O universo infanto-juvenil tem sido tema recorrente no cinema de Isabel Pagliai. Mas ao contrário da forma tradicional de tratamento do tema, Pagliai subverte-o e coloca os adolescentes a dizer o que pensam e de forma muito realista. Neste mundo do qual não se sabe muito, adultificam-se comportamentos e sugere-se que talvez seja no meio, entre a ingenuidade e a perversidade, que a maioria dos adolescentes de hoje se situa. Média metragem de folgo, este documentário-ficção carrega o tempo com que se fosse um fardo e densifica-o. (Miguel Valverde)