Uma terra pequena, cheia de coscuvilhices, faz da vida de Natasha, uma senhora de meia-idade, um inferno. Mas eis senão quando lhe cresce uma cauda. Se, a princípio, tenta esconder o novo membro, envergonhando-se dele, cedo o transforma num acessório de empoderamento feminino. Pela primeira vez, Natasha orgulha-se de si e do seu corpo e conhece um homem que a deseja como é. O cinema fantástico como expressão da libertação sexual das mulheres, numa Rússia (e num mundo) ainda profundamente sexista. Mas esta segunda puberdade também tem o seu fim.
Secção: Boca do Inferno
Na literatura, Franz Kafka foi o grande autor da denúncia da “monstruosidade” da máquina burocrática. É também esta a crítica implícita do filme do mexicano Rodrigo Plá. Quando uma mulher se apercebe que a sua companhia de seguros procura esquivar-se a aprovar o tratamento do seu muito doente marido, esta tenta resolver o problema à força. Nessa luta contra a burocracia e a corrupção - os “monstros de mil cabeças”, ou as grandes empresas que distorcem os direitos humanos para efeitos de lucro – Sonia só carrega duas coisas: uma arma e o seu desespero.
Se o terror ficou marcado em 2014 pelo excepcional The Babadook de Jennifer Kent, este é o ano de The Witch. A primeira longa metragem de Robert Eggers, vencedor de prémio de melhor realizador em Sundance, aborda os ecos da repressão puritana e das caças às bruxas na Nova Inglaterra de meados do século XVII. William e Katherine vivem uma vida cristã e estável com os seus cinco rebentos. Quando o mais novo, recém nascido, desaparece, a família começa a desconjuntar-se e a descer às profundezas da histeria religiosa, da magia negra e da feitiçaria.
Um homem é raptado e submetido a uma terrível tortura, em The Procedure.
Os Lost Themes de John Carpenter inspiram uma homenagem aos slashers com um cameo do realizador de Halloween (1978), em The Puppet Man.
Em 1982 dois rapazes de Mississipi viram o filme das suas vidas. As aventuras do arqueólogo Indiana Jones e Raiders of the Lost Ark tiveram tal impacto que os jovens decidiram-se a refazê-lo na sua cave, com a ajuda dos amigos. Entre os 12 e os 19 anos de idade, Chris Strompolos e Eric Zala quase completaram este trabalho de amor. Só ficou mesmo a faltar uma cena – a de uma luta num avião – que trinta anos passados, e com a ajuda de uma angariação de fundos, conseguiram filmar. Este é o maior fan film já alguma vez feito.
Há qualquer coisa da angústia existencial contemporânea que passa pelas personagens do grego Yorgos Lanthimos. Sejam elas obcecadas pelos seus dentes caninos (Dogtooth), pela imitação de parentes falecidos (Alpis) ou pela reencenação de homicídios (Kinetta). Desta vez estamos num futuro distópico próximo e os solteiros são levados, de acordo com as leis da cidade, para o Hotel. Aí, terão de encontrar parceiro em 45 dias ou o seu destino será o Bosque, onde serão transformados em animais selvagens. Colin Farrell dá corpo a este conto sobre a solidão.
Os personagens de Billion Walk participam numa corrida pela vida, se páras morres.
Depois de Habanera, agora August canta Carmina Burana num vídeo found footage, em Metube II.
Manoman trata desse duplo maléfico que cumpre os nossos desejos mais escondidos.
Depois da sua estreia com Seul contre tous (1998), o enfant terrible do cinema francês, que na altura ainda não o era, propôs a Vincent Cassel e a Monica Bellucci a ideia para este Love. Ambos gostaram desta história de amor vista desde um ponto de vista sexual mas, sendo um casal na altura, não se sentiram muito à vontade por terem de expor a sua intimidade nas cenas de sexo explícito. Seguiu-se então Irreversible, mas agora Noé retoma este seu antigo projecto. Irreverente como sempre, o realizador usa o 3D para filmar uma intensa história de amor. Ou seja, sexo em 3D, venham.
Lesley é um pónei cor-de-rosa e fofinho que já não aguenta mais ser contrariado.
Charles Redon ama a sua namorada. Ao ponto de estar fascinado pela determinação e disciplina que Mathilde Froustey impõe ao seu corpo para se poder tornar prima ballerina. O realizador filma-a a todas as horas do dia, usando várias formas para compor este seu diário, desde a câmara escondida, aos drones e aos selfie sticks. Mas do fascínio ao cuidado pela excessiva obsessão e abuso do corpo é um pequeno passo. À medida que ela começa a evitá-lo, lentamente, um documentário sobre a pessoa que amamos converte-se num drama composto pela nossa própria vida.
Num parque natural segue as regras de segurança e evita os ursos negros, em L’Ours Noir.
Exposure ensina-nos que para revelar uma fotografia é preciso exposição à luz (ou às trevas).
Lucile Hadžihalilovic, colaboradora de Gaspar Noé, venceu o prémio especial do júri no Festival de San Sébastien com este Evolution, filme sobre as questões da maternidade e da puberdade vistas sob a poderosa lente do conto fantástico. Nicholas, de apenas 10 anos, vive com a mãe numa ilha remota onde só habitam mulheres e pequenos rapazes como ele. Este desconfia que a mãe lhe mente e não percebe que tratamentos são esses a que os outros meninos se submetem nesse sinistro hospital virado para o mar. Nesta viagem sensorial nem tudo é o que parece.
Há quem tenha macaquinhos no sótão e há quem ache que o processo de crescer seja um pesadelo. O alemão Akiz ambienta-se no seu pesadelo para nos dar a sua primeira longa metragem. Nesta, Tina, uma jovem adolescente, vai a uma rave e, após uma noite intensa de festa, encontra um estranho monstro com o qual começa a formar uma ligação. Neste filme parte ET, parte Rosemary’s Baby, há uma pergunta que se impõe, mesmo antes de saber de tal monstro é real ou imaginação. Que simbologia se esconde nesta nova e maternal amizade: loucura, crescimento ou imaginação?
Na noite vienense, longe da sumptuosidade das valsas e da alta cultura, um grupo de “irmãos” ganha a vida. São jovens ciganos búlgaros que, para alimentar as famílias, vendem o corpo num bar de alterne. Neste documentário com cenas encenadas, Chiha filma os excessos, as bebidas, as danças e as conversas sobre o “negócio” enquanto esperam pelos clientes. Nesta obra, que vai das personagens de Pasolini às de Querelle de Fassbinder, contorna-se a moralização para ensaiar, na penumbra destas intermináveis noites, um hino à poética da sobrevivência.