A Folha

Um forte marinheiro recebe uma folha de Outono de uma menina. Isso lembra-lhe a sua casa. Tanto tempo desde que partiu, as saudades são muitas. O marinheiro apressa-se a regressar e ver os seus velhos pais. O que irá encontrar?

 

Déjeuner sur l’herbe

A ciência e o oculto, os ovnis e os crisopídeos. A vida prega partidas e nem um brilhante cientista está a salvo, naquela fatídica tarde de piquenique junto ao lago.

Uma animação melancólica e divertida sobre um cientista com problemas de fé. As indecisões do personagem transformam-se numa hipótese para refletir sobre algumas das questões mais urgentes da nossa sociedade, desde as alterações climáticas à ideologia de género. O jogo torna-se interessante quando as respostas às questões que o filme coloca ficam muitas vezes a cargo do espectador. (Duarte Coimbra)

 

Hacer una Diagonal con la Musica

A compositora eletroacústica Beatriz Ferreyra é uma das pioneiras da música concreta nos anos 50 e 60. A sua técnica de caça aos sons, os processos de montagem e espacialização sonoras são aqui discutidos, num filme cheio de portas a ranger e cães a ladrar.

O IndieMusic permite estas descobertas. Beatriz Ferreyra, compositora argentina e caçadora de sons, pioneira da música concreta nos anos 50 e 60, tal como Pierre Schaeffer, com quem colaborou. Neste pequeno e maravilhoso documentário entramos no mundo de Beatriz, nas suas ideias e pensamentos sobre o som, explicados com acções práticas de portas a ranger e cães a ladrar. Aura Satz filma tudo muito perto dela, a mostrar o seu corpo, os movimentos, as mãos, passando para o filme a materialidade das portas, dos barulhos e dos sons. (Carlos Ramos)

 

Mes voisins

Hondo analisa as condições sociais e políticas dos seus vizinhos em Paris. Migrantes africanos, vítimas de racismo e exploração laboral, cuja situação o realizador retrata entre a gravidade e a falsa leveza.

 

Baamum Nafi

A primeira longa de Mamadou Dia chega-nos duplamente premiada no Festival de Locarno (Leopardo de Ouro Cineastas do Presente e Melhor Primeiro Filme). Rodado na sua cidade natal, Matal no Senegal, esta é a história de dois irmãos, Tierno e Ousmane, que se zangam por causa do casamento dos seus dois filhos. O primeiro quer casar o seu rapaz com a filha do segundo, a bela Nafi. O que está em causa é o alastrar do fundamentalismo numa pequena comunidade.

Baamum Nafi é um conto familiar centrado em Tierno, imã de uma aldeia senegalesa, e a sua filha Nafi. Nenhum dos dois está interessado em seguir cegamente os desejos do irmão de Tierno, líder islâmico que força a sua autoridade na aldeia, nem de sucumbir a extremismos religiosos. Prosseguir com um casamento-contrato entre os filhos dos dois irmãos e abraçar uma viragem no sentido de uma liderança hiper conservadora seria uma tragédia para todos os habitantes. Uma primeira obra pulsante pelas interpretações de Alassane Sy e Aïcha Talla, Baamum Nafi é uma lição de cinema e só podemos aguardar ansiosos o próximo filme de Mamadou Dia. Embora as obras de Dia e Ousmane Sembène (cuja obra integral mostramos este ano em retrospectiva) estejam separadas por décadas, o que os move, no coração do Senegal, continua lá: um cinema do Bem e do Mal, de estrondosa beleza. (Mafalda Melo)

 

Errar a Noite

Paulo trabalha num bar e quando acaba o seu turno, erra pela noite lisboeta. Entre o tom romântico e desolado, Flávio Gonçalves (De manhã, IndieLisboa 2013) filma na poesia da noite. Uma poesia feita de encontros, de luzes ferozes, de corpos que amam e temem.

O belíssimo e inspirado regresso de Flávio Gonçalves atrás da câmara faz-se na continuidade nocturna e no (des)encontro dos corpos masculinos. Paulo envia para casa o último cliente do bar e encontra-se com o rapaz do olhar intenso. A procura prolonga-se e as luzes da noite de Lisboa não lhe falham. Será desta que o amor, o prazer e a quietude se alinham? Uma curta metragem em múltiplas rondas, de resultado vencedor. (Ana David)

 

Fojos

Nos últimos anos, Anabela Moreira e João Canijo têm documentado, em várias obras, as terras do Norte e do centro português (Portugal – Um Dia de Cada Vez, 2015; Diário das Beiras, 2017). Este seu mais recente filme é rodado em Castro Laboreiro, terra mais a norte de Portugal, onde se observa o quotidiano dos seus habitantes e a presença ensombrada dos lobos que saem dos covis para atacar as suas presas. À terra chamam-lhe o buraco do fim do mundo.

 

Former Cult Member Hears Music for the First Time

Sabemos como os membros de certas seitas religiosas acabam por viver apartados da realidade. O filme de Kristoffer Borgli (Whateverest, IndieLisboa 2013) é sobre uma dessas jovens que nunca tinha ouvido música. Até agora.

Um dos raros casos em que o título do filme é a própria sinopse. Assistimos como que a uma experiência sociológica em que um ex-membro de uma seita, que viveu isolado do mundo, ouve pela primeira vez música. E o poder da música é enorme e imprevisível. Borgli constrói uma comédia inteligente e ousada, de consequências trágicas, que é também uma sátira à sociedade norte americana. (Carlos Ramos)

 

Francisca

O filme que encerra a denominada “tetralogia dos amores frustrados”, filmado a partir do romance Fanny Owen de Agustina Bessa Luís, representou o início de um segundo fôlego para a carreira do mestre Manoel de Oliveira. Ele narra os amores e disputas, vagamente reais, vagamente míticos, em particular de José Augusto (Diogo Dória) e Camilo Castelo Branco (Mário Barroso) pela bela Francisca/Fanny (Teresa Menezes). Apresentado aqui numa cópia restaurada.

 

Fun Factory

When children play, adults play as well: some are DJing with microwaves, the others turn themselves to bacon snacks. This is the Nordic humour of two directors whose work we previously met in 2016, with the short Small Talk

It’s Saturday afternoon in a Norwegian play-land. Children play uninhibited while an adult couple watches and eavesdrops on a conversation between three women about the existence of bacon on chips. That same couple decides to meddle in the conversation where they are not wanted instead of resolving their own issues. In great Noewegian humor awkwardness ensues while we sink lower in our chairs until it’s over. (Rui Mendes)

Further Radical

Simbologia literal. As raízes do cinema nas mãos de Canapa são pedaços de rabanete negro utilizados em película não impressa. Explosões sonoras de luz a furar a emulsão fotoquímica, viagens ao fim do material, o inconsciente ótico de um épico cosmológico.

O cinema como uma experiência de transe. Um transe o mais próximo possível da matéria do cinema quanto possível. No seguimento de “A Radical Film” (2017), Stefano Canapa experimenta novamente com rabanete preto em película não exposta para fabricar uma sinfonia sónica e visual de intensidade galvanizante. Enquanto o filme explode nas nossas caras a preto e branco e violentamente metamorfoseia padrões indomáveis em outros, perguntamo-nos para que espécie de corpo cósmico estamos a ser sugados, se uma superfície lunar se um buraco negro. Ou será a tela do cinema? (Ana David)

 

A Linha

Fussel, o monstro simpático, vai numa viagem de aventuras. O objectivo? Descobrir o que está no final do cordão vermelho.   

 

Genius Loci

Na cidade, o caos tudo devora e transforma com sua inquietação. Uma noite, Reine, uma jovem solitária, sente-se atraída por algo místico, uma espécie de guia, como uma pretensa unidade. 

Genius loci é um termo do latim que se refere ao espírito de um lugar. Reine é a personagem principal do filme que se pode dizer que vive uma experiência espiritual da cidade durante uma noite. Um filme sobre a procura. Reine procura algo, mas não sabe bem o quê. Uma noite à deriva, com os sentidos aumentados. Uma animação tremendamente delicada, com diferentes técnicas e texturas e com o universo visual reconhecível do ilustrador Brecht Evens (A Fantástica Viagem de Marona). Adrien Merigeau passa, com esta animação a outro, nível. (Carlos Ramos)

 

Ghost Tropic

O cinema do Bas Devos é particularmente atento a movimentos imperceptíveis e identidades ofuscadas. Este seu último filme, rodado em 15 noites, segue o trajecto nocturno de Khadija, mulher de 58 anos que, ao perder o último metro, tem de ir para casa a pé. Retrato minimalista, mas também uma aventura singela e humana que vê na noite urbana dos sem abrigo, dos seguranças, dos imigrantes, o espaço da descoberta, da vulnerabilidade e dos laços entre as pessoas.

Uma luz de final de tarde inunda uma sala de uma casa velha. O crepúsculo é indiciador de mudança, de algo que pode não estar bem. E é nesta atmosfera instável que o belga Bas Devos apresenta a sua personagem. Uma mulher árabe que não consegue voltar para casa ao final de um dia de trabalho. Imediatamente os nossos sentidos ficam alerta porque algo vai correr mal. São esses pensamentos que nos assaltam que fazem parte da narrativa mas não estão escritos ou filmados. Juntos com o filme, permitem estabelecer novos códigos e é aqui que a originalidade toma conta deste filme. O espectador atento e activo está no filme, do lado da personagem principal, com as suas dores e doenças, enfim, com a sua vida. É por isso que é tão bonito voltar àquela primeira sala e voltar a sentir uma luz emergente, clara que quase cega. É o nosso coração a bater. Devos (de quem o IndieLisboa já tinha exibido a curta metragem We Know) é, claramente, um cineasta a seguir. (Miguel Valverde)

 

Gimme Shelter

Gimme Shelter, que celebra agora cinquenta anos, é não apenas um objeto imprescindível para compreender o que foi o Cinema Directo, como também um dos melhores documentários musicais da história do cinema. Este acompanha as últimas semanas da tournée americana dos The Rolling Stones, em 1969, com especial foco nos trágicos acontecimentos que levaram à morte de um fã às mãos dos Hell’s Angels que faziam a segurança no Altamont Free Concert, o último da digressão.

Um olhar retrospectivo para o ano de 1969 permite ver como foi marcante na história mundial. Pela primeira vez um ser humano pisou a lua, aconteceu o festival de Woodstock e foi o ano em que se considera que nasceu a internet. O dia 6 de Dezembro do mesmo ano fica marcado por um outro acontecimento, o festival de Altamont no final da digressão americana dos The Rolling Stones, que reuniu cerca de 300 mil pessoas. Diz-se que aqui morreu o sonho dos anos 60. Neste festival tocaram também Santana, Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e os Crosby, Stills, Nash & Young. Este era o Woodstock do oeste. Há vários mitos sobre o que aconteceu. Os Stones contrataram os Hell’s Angels para fazer a segurança do festival. Mas as coisas precipitaram-se e a violência tomou o lugar da paz e do amor, culminando na morte por esfaqueamento de Meredith Hunter, momento captado pelas câmaras do documentário e que depois foram usadas como prova. Gimme Shelter é o filme desses acontecimentos, por muitos considerado o melhor filme de rock de todos os tempos, exibido aqui no âmbito da comemoração do seu 50º aniversário. (Carlos Ramos)

 

God’s Nightmares

O cinema como pesadelo de Deus. Nesta comédia metafísica, Deus teme a queda da sua condição superior. Os fragmentos de toda a história do cinema são o espelho alucinado dessa forma inferior, desse ser um homem.

God’s Nightmares apropria-se de imagens de outros filmes para pensar no que seriam os pesadelos de Deus. Um filme de montagem alucinadamente cómico que procura o sentido neste monólogo interior divino, onde o maior medo é ser só mais um homem. (Duarte Coimbra)

 

Guelwaar

Esta comédia de enganos começa com a morte de Guelwaar (que significa “o nobre”), padre e ativista católico. Quando a família vem reclamar o corpo à morgue apercebe-se que este desapareceu e que foi enterrado por engano num cemitério muçulmano. Sátira a uma África atolada pelos pequenos conflitos, por uma burocracia paralisante e pelos dogmas e crenças religiosas em confronto. A ironia fina e os pequenos detalhes revelam toda a mestria de Sembène.

 

Hard, Cracked the Wind

Mark Jenkin, que venceu em 2019 o prémio do público para melhor longa metragem do festival (Bait), faz agora um filme sobre o poder assombrado da criação. Uma jovem poeta encontra uma mala com as suas iniciais. Lá dentro um fantasma que procura quem lhe termine um poema.

Uma mala, um poema, personagens que transitam em acasos, e projecções, num jogo de espelhos e coincidências (a mala é responsável). Os fantasmas acordam e a narrativa compõe-se, fragmenta-se, destrutura-se, enquanto sinais duma maldição emergem e multiplicam-se neste drama negro. O contágio está na criação, está na maré do ‘‘vento’’ que açoita os planos, pelo olhar sedutor de Jenkin que talha e retalha esta inquietante e cortante narrativa, black and white. (Carlota Gonçalves)