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Justino é um indígena Desana de 45 anos que trabalha como vigia no porto de cargas de Manaus, uma cidade industrial cercada pela floresta da Amazónia. Desde o falecimento da sua mulher que a sua filha é a sua principal companhia. Ainda assim, Vanessa, que trabalha como enfermeira, é aceite para estudar medicina em Brasília, longe de Justino. Aquando desta notícia e confrontado com a opressão da cidade, Justino entra num estado lânguido e febril e começa suspeitar que uma criatura misteriosa segue os seus passos. A origem enigmática da sua condição e a aproximação misteriosa da floresta, faz crescer uma atmosfera onírica que contagia o espectador com a mesma sensação febril. Justino conta a história de um homem cuja profunda conexão com o mundo natural o faz desconfiar dos instintos predatórios dos humanos. Nesse sentido, A Febre inscreve-se como uma fantasia, ou uma história fantasmagórica. Este resultado sente-se sobretudo no híbrido construído por um trabalho de ficção cruzado com personagens não-actores, o que desafia a percepção do espectador sobre o realismo mágico do filme. (Inês Lima Torres)
Após a estreia de Onde o Verão Vai: episódios da juventude (Festival de Berlim, 2018) David Pinheiro Vicente continua a dar-nos um cinema sensorial, do toque e do olhar. Produzido por Gabriel Abrantes, esta é a Páscoa do crescimento, do desejo e da carne.
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Diogo vive entre crianças angelicais e adultos falhados. O desejo fá-lo crescer, apesar das delícias da infância lhe cantarem, ainda, inocentes loas. Também David (Pinheiro Vicente) filma entre a delicadeza e a sujeira, ou seja, entre um onirismo sensorial e o cheiro do sangue. Tudo se mistura, elíptica e metaforicamente, num bordado encardido por fragmentos daquilo que talvez sejam sonhos, memórias ou visões (à imagem da teia de apetites que liga as personagens adultas). No centro, de tudo, uma tensão de morte e de culpa (que acabam por se complementar em ritual sacrificial). (Ricardo Vieira Lisboa)
Em quase todas as esplanadas de Verão podemos ver, à volta da mesa ou empilhadas, aquelas cadeiras plásticas brancas muito leves. Este é um filme-ensaio, assinado por um coletivo de arquitetos mexicanos, sobre a famosa cadeira monobloco.
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Um filme ensaio sobre cadeiras de plástico brancas. Roubamos para esta sinopse as evidências do próprio filme: podemos confiar cegamente num restaurante com cadeiras de plástico brancas. É um sinal da impossibilidade de o peixe não ser fresco, uma indicação de total confiança no próprio alimento. O plástico causa e causou grandes danos à natureza, mas nunca por meio da cadeira de plástico branca, pois todas as cadeiras de plástico brancas já produzidas ainda estão em uso. Se quisermos encontrar óptimas imagens de cadeiras de plástico, não convém pesquisar no google “cadeira de plástico branca”, mas qualquer outra coisa que nos vier à cabeça, assim encontraremos imagens perfeitas de cadeiras de plástico brancas. Provavelmente um dos filmes mais divertidos do IndieLisboa. (Carlos Ramos)
Quando Spira regressa à Reboleira, oito anos passados da sua detenção, está no que resta da Reboleira de onde partiu, mas não tem a certeza do que resta de quem era há oito anos naquele mesmo local. É nesta dualidade que irá permanentemente testar os outros e ser posto à prova, especialmente por Kikas e a sua auto-proclamada autoridade como líder dos negócios obscuros e supremo defensor do bairro e das pessoas. Se a cidade – e o país – já tratam Spira como um estranho, onde poderá ele encontrar um eco de pertença? A resposta estará talvez nos momentos em que investe nas demonstrações de interesse por Iara. Uma narrativa que vive do desempenho dos actores não-profissionais, que dão volume à elegia que Basil da Cunha parece querer fazer a um espaço e tempo que (não tão) lentamente desaparecem do mapa urbano. Ficção impura que obriga a pensar na realidade dos não-lugares que povoam as cidades, vítimas das políticas que adoecem a sua poesia e os transformam nesta noite escura. (Mafalda Melo)
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Uma nuvem rosa aproxima-se e vai ser o fim do mundo! Afinal parece que o vírus foi lançado antes do tempo. Esta fábula queer futurista, vivida em dois tempos narrativos com contornos pouco definidos, permite-nos ir descobrindo uma belíssima história de amor, que poderia ter sido vivida por Thelma e Louise. A estética rosa está vertida nos cenários, no guarda-roupa e nos filtros espampanantes, e alude a muitas referências de videoclip ou jogos dos anos 80. Descoberto no último Festival de Tiradentes, a aventura épica de Arruda, qual vírus bom, arrisca-se a contaminar muita gente. (Miguel Valverde)
No ano em que o mundo viu desaparecer, com 70 anos, Genesis P-Orridge, fundador dos pioneiros COUM Transmissions e Throbbing Gristle, que se assumia como um ser “pandrógino” na sequência de uma peculiar intervenção cirúrgica de fusão corporal com a sua mulher, este filme conta, pela primeira vez, a história destas bandas através das palavras do próprios elementos. Um grupo de artistas e músicos que trabalharam em diversas vertentes ao longo de muitos anos e que estiveram na génese da música industrial, na Inglaterra da década de 70. A principal ideia era fundir a arte com a vida e defender a libertação pessoal completa – a qualquer custo. Adoptaram novas identidades, levaram a arte ao limite, inventaram um novo género musical, confrontando tabus sobre o sexo, a moralidade e o lado sombrio do ser humano. Toda uma postura e acções que causaram indignação e escândalos na imprensa e na opinião pública e a acusação por parte de políticos de serem “os destruidores da civilização”. Um filme sobre um marco indiscutível na génese da música industrial e nas artes em geral. (Helena César)
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Toussaint Louverture foi o grande líder da revolução haitiana que levou à independência do país que ocorreu já após a sua morte, tornando-se a primeira República negra independente das Américas. Que Haiti existe hoje na promessa dessa revolução? Como sentem os jovens do país a responsabilidade da descendência do herói haitiano? Num filme colectivo, polifónico, habitado pela alucinação e pela promessa de futuro, o grupo de teatro The Living and the Dead Ensemble traduz para crioulo haitiano e encena a peça “Monsieur Toussaint” de Édouard Glissant. São os últimos dias de Louverture, encerrado na sua cela na Cordilheira do Jura, nos Alpes, assombrado pelos fantasmas do passado revolucionário. Mas a figura literária e cultural haitiana por excelência é a espiral e, por isso, o filme escreve-se e brota de todos os lados. E são também as personagens do panteão histórico haitiano que vêm assombrar os actores que trabalham e vivem a peça em Port-au-Prince. (Carlos Natálio)
Overseas é um excepcional retrato de classe, género, condição humana, no qual ficamos a conhecer a realidade de algumas das Overseas Filipino Workers (OFW’s). Sung-A Yoon consegue traduzir tudo a que se sujeitam as mulheres filipinas quando aceitam ir trabalhar para outro país, para casas de pessoas que só conhecem de entrevistas por telefone ou skype. Para conseguirem atingir tal meta, enfrentam um treino rigoroso de preparação da separação da família e contra quaisquer agressões – físicas e verbais – tal é a certeza que esse é um desfecho possível. Mais do que um desfecho, um período de pelo menos dois anos que deverão enfrentar sem desistir. Estas mulheres juntar-se-ão aos 10 milhões de filipinos além-mar: outra expressão e outro filme não descreveriam melhor este sistema de escravatura moderna. Sung-A Yoon mantém intacto, contudo, o estoicismo destas mulheres, num filme humanista e delicado, uma surpresa imperdível. (Mafalda Melo)