Elba já viveu muito. A sua rotina é feita de tarefas em casa e no campo, do cuidado dos animais, de “cartas no ar” que escreve à eternidade. O colectivo de realizadores Los Segundos filmou uma carta de resposta, a partir da resistência e força de Elba.
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O caos organizado de uma escola marca o quotidiano profissional de Névine, uma jovem monitora cuja prioridade é ajudar os alunos, não controlá-los. Quando Logan, um dos adolescentes mais irrequietos, se vê envolvido num desentendimento, ambos vão perceber o quão o sistema escolar não está preparado para responder às individualidades dos seus alunos. Mardi de 8 à 18 é um filme de infinita doçura, humor comovente e minucioso entendimento do ecossistema escolar, capaz de nos atirar a todos de novo para as cadeiras da sala de aula. (Ana David)
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Num grande número de filmes que se seguiram mas não se assemelham, Radu Jude tem vindo a construir uma das obras mais pungentes e emocionantes do cinema romeno contemporâneo. Afinal, o que têm em comum a farsa picaresca Aferim!, o surrealismo literário de Scarred Hearts e a encenação histórica do jogo de espelhos I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians? Sem dúvida, mais do que parece: primeiro uma ironia discreta mas cortante, e acima de tudo um olhar intransigente sobre a história velada do seu país – não importa a época e o género cinematográfico. Existem dois tipos de imagens em Uppercase Print. Primeiro, imagens de arquivo a preto e branco dos anos 80 sob Ceausescu. Imagens emocionantes e assustadoras de propaganda sorridente, na qual vozes robóticas repetem com alarde os slogans da ditadura. As outras imagens datam de hoje, produzidas num estúdio com neons brilhantes em cores vivas. De frente para a câmara, os actores recitam (mais do que repetem) os relatórios escritos pelas milícias comunistas. Descrições desproporcionalmente numerosas e detalhadas, relacionadas com o mesmo incidente: um simples slogan revolucionário escrito em letras maiúsculas (daí o título) por um estudante romeno nos anos 80. A notícia é simples, o autor do grafitti foi rapidamente identificado mas a máquina administrativa do fascismo aterroriza, implacável pela força da repetição. A investigação é interminável, como um monstro gigantesco que não se consegue matar. Uppercase Print alterna entre estas duas famílias de imagens, entre estes dois contos tensos com vozes monocórdicas que arrepiam a espinha: o anedótico e o nacional, a história oculta e a propaganda, o sorriso superficial e a loucura nos bastidores de ontem e hoje. (Mickael Gaspar)
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Esta obra prima de Makavejev esteve banida na Jugoslávia durante 16 anos. Isto porque no filme se estabelece uma relação entre a repressão/libertação sexuais e os sistemas políticos e sociais. A partir de uma relação entre uma mulher jugoslava e um patinador soviético, o realizador homenageia a obra do psicanalista austro-americano Wilhelm Reich. A sua montagem frenética e seus diferentes registos são eles mesmos um orgasmo cinematográfico.
Este filme não é falado e nem legendado em inglês.
As notícias da morte de Josef Stalin em Março de 1953 deixaram a URSS em estado de choque. A partir de imagens de arquivo, a maioria inéditas, Loznitza mostra-nos todos os procedimentos desde o anúncio de morte às cerimónias fúnebres. Alternando o preto e branco com a cor (em especial o vermelho associado ao regime), mas também os rostos tristes, as lágrimas, as pessoas de luto, tudo torna evidente o culto em torno da personalidade do líder soviético.
O realizador ucraniano Sergei Loznitsa (The Event, The Trial) convida-nos a viver os quatro dias da despedida do “”amado líder do povo soviético”” Joseph Stalin em Março de 1953, “”não como observador de um evento histórico ou admirador de raras imagens de arquivo – mas como participante e testemunha de um espetáculo grandioso, aterrador e grotesco ‘, nas suas próprias palavras. A natureza opressiva do regime soviético é revelada através do ritual: a procissão interminável de enlutados alinhados à frente do caixão em Moscovo, os discursos profetizando a imortalidade do líder alcançando os cantos mais longínquos da terra soviética na montagem elíptica de State Funeral. Loznitsa compõe perfeitamente faixas cor de sangue e ruas movimentadas a preto e branco, flores de plástico e lágrimas genuínas, criando um pesadelo vertiginoso de filme, que nos desperta em suores frios. (Anastasia Lukovnikova)
Num acto de honesta generosidade, uma mulher de 80 anos oferece móveis a uma jovem vizinha que vivia na Avenida Santos Dumont. Numa manhã, talvez de primavera, ao ler um artigo sobre uma mulher médica que vivia nessa mesma avenida, essa generosa mulher finalmente ganhou um nome: Cesina Bermudes. Médica, obstetra, investigadora e feminista, “Parto Sem Dor” é o retrato de alguém que tão sorrateiramente passou pelas nossas vidas mas que deixou um legado que tentamos decifrar. (Rui Mendes)
Imóveis e sozinhos, um homem, outro homem, numa cama, à janela, deixam-se estar presos no ar das coisas e no corpo. Moscas e flores, chaves, uma atmosfera em movimento num espaço que respira, quieto e quebrado, e vê o tamanho do gesto. A suspensão está em linha… Lá fora, a cidade repete gestos, acelera a mecânica; cair, partir, levantar… isolar as coisas, abrir o olhar, calibrar o tempo. Um filme que sabe esperar. (Carlota Gonçalves)
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Lois Patiño pertence, ao lado de autores como Eloy Enciso ou Oliver Laxe, a uma interessante nova geração de cinema galego. Em 2014, o IndieLisboa mostrou a sua primeira longa, Costa da Morte, um documentário passado nessa região galega de onde é natural. Agora retorna a esse local explorando o imaginário mítico e sobrenatural dessa vila costeira de quem se dizia antigamente ser o “fim do mundo”, devido ao elevado número de naufrágios. Os seus habitantes permanecem imóveis como quadros, tudo se passa hoje como há mil anos. O que aconteceu a Rubio, o mergulhador que outrora reclamava os corpos dos naufragados? Pensa-se que tenha sido o monstro que leva as pessoas vivas, mas não as devolve mortas. No universo de Lúa Vermella, que tem tanto do cinema de Tarkovsky como da literatura de H. P. Lovecraft, habitam os fantasmas, as bruxas, os espelhos, o mar e a lua. Sussurra-se, anda-se, espera-se e planeia-se fora das imagens e dentro do som. (Carlos Natálio)
Suzanne é uma avó do século XXI. Emails, vários por dia. Tablets, na ponta dos dedos. Bitcoins, investimento mensal. O domínio da internet ocupa-lhe o dia, mas não apaga a perda do seu marido Édouard. Continua a falar com ele e as fotografias analógicas continuam a inundar a casa. Suzanne vive entre dois mundos, espaço que pertence aos fantasmas. Um filme que está constantemente a desafiar-se e a provocar-nos, mas nunca gratuitamente. (Carlos Ramos)
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À beira da ruptura surge a dúvida, sempre. A primeira longa metragem de ficção de Júlio Alves é uma adaptação de uma obra de Mário de Carvalho, autor que Alves já revisitou em algumas das suas curtas metragens. Agora o universo é o das relação humanas;- no caso, um casal está a separar-se e passa pelo processo sempre doloroso de se saber quem fica com o quê, o que é de quem quando se ofereceu, quem sai e quem fica, quem dá o braço a torcer. As coisas aparentemente não estão assim tão mal mas quem ficará com a tartaruga? A estrutura do filme está muito bem definida com uma composição elegante de planos (Alves sabe filmar muito bem espaços fechados e concretamente casas), os actores (a dupla Ana Moreira/Pedro Lacerda) estão muito bem dirigidos sempre num registo limite do sofrimento/apatia, e a montagem tem um ritmo correcto que nos permite ter a informação certa em cada momento. E a partir daí é só olhar para o espelho, porque Júlio Alves acerta-nos em cheio. (Miguel Valverde)
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Em tempos de epidemia cuja propagação se dá através de mosquitos, há laboratórios a modificar geneticamente estes insectos para esterilizar a sua propagação. Ao fundo surgem relatos de cidades ocupadas por militares que numa demonstração de força abrem guerra ao inimigo. Enquanto isso o amor persiste e reproduz-se em lógicas que parecem contrariar o pensamento binário aplicado à natureza. Num cenário de quase ficção científica, atravessamos um universo irreal onde a música funciona se junta às personagens na construção do drama. (Margarida Moz)