Tipografic majuscul

Radu Jude

IndieLisboa 2020 •

Romania, Documentário, 128′

O ponto de partida de Uppercase Print é a história verídica de uns graffitis que surgiram em 1981 pintados na sede do partido comunista, em Botoșani, com mensagens críticas ao regime de Ceaușescu e toda a investigação subsequente para encontrar e “corrigir” o culpado. Recorrendo a uma peça que o encenador Gianina Cărbunariu fez sobre o caso, mas também a vídeos de arquivo, Jude problematiza acerca da formatação do indivíduo em tempos ditatoriais.

Num grande número de filmes que se seguiram mas não se assemelham, Radu Jude tem vindo a construir uma das obras mais pungentes e emocionantes do cinema romeno contemporâneo. Afinal, o que têm em comum a farsa picaresca Aferim!, o surrealismo literário de Scarred Hearts e a encenação histórica do jogo de espelhos I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians? Sem dúvida, mais do que parece: primeiro uma ironia discreta mas cortante, e acima de tudo um olhar intransigente sobre a história velada do seu país – não importa a época e o género cinematográfico. Existem dois tipos de imagens em Uppercase Print. Primeiro, imagens de arquivo a preto e branco dos anos 80 sob Ceausescu. Imagens emocionantes e assustadoras de propaganda sorridente, na qual vozes robóticas repetem com alarde os slogans da ditadura. As outras imagens datam de hoje, produzidas num estúdio com neons brilhantes em cores vivas. De frente para a câmara, os actores recitam (mais do que repetem) os relatórios escritos pelas milícias comunistas. Descrições desproporcionalmente numerosas e detalhadas, relacionadas com o mesmo incidente: um simples slogan revolucionário escrito em letras maiúsculas (daí o título) por um estudante romeno nos anos 80. A notícia é simples, o autor do grafitti foi rapidamente identificado mas a máquina administrativa do fascismo aterroriza, implacável pela força da repetição. A investigação é interminável, como um monstro gigantesco que não se consegue matar. Uppercase Print alterna entre estas duas famílias de imagens, entre estes dois contos tensos com vozes monocórdicas que arrepiam a espinha: o anedótico e o nacional, a história oculta e a propaganda, o sorriso superficial e a loucura nos bastidores de ontem e hoje. (Mickael Gaspar)