Estamos a três semanas do início de mais uma edição do IndieLisboa e a programação está fechada. São cerca de 250 filmes, no total, numa edição – a 19ª – em que o festival regressa ao calendário de sempre, entre os meses de abril e maio. O IndieLisboa terá lugar entre o Cinema São Jorge, a Culturgest, a Cinemateca Portuguesa, o Cinema Ideal e a Biblioteca Palácio Galveias do dia 28 de Abril ao dia 8 de Maio.
Vamos às novidades: é tempo de anunciar que esta edição terá a Competição Nacional de Longas mais extensa da história do festival. No total são 9 longas metragens. Escolhemos obras de autores de gerações diferentes, com abordagens distintas entre si, numa prova da vitalidade que se vive actualmente no cinema português.
Assim, nas longas, selecionamos obras como Atrás Dessas Paredes, de Manuel Mozos, sobre o forte, o quartel, o asilo e as paredes de outros espaços que aprisionam o louco, o criminoso, a histérica. Em Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, Léa, Chitara e Andreia têm um negócio peculiar – roubam petróleo a oleodutos de Ceilândia, Brasília, para transformar em gasolina que depois vendem aos motoqueiros da área. Em O Trio em Mi Bemol, Rita Azevedo Gomes adapta ao cinema a única peça de teatro de Éric Rohmer, cineasta fundamental da Nouvelle Vague, numa espécie de comédia romântica em que o tema não é o casamento mas sim o “recasamento”. Super Natural, a primeira longa de Jorge Jácome, mistura documentário, ficção e cinema experimental e é protagonizado por algumas das pessoas com deficiência que fazem parte da Dançando com a Diferença, atuando em espaços naturais e urbanos exuberantes da ilha da Madeira. Em Frágil, a noite é vivida enquanto último espaço de resistência a um mundo de obrigações e instituições. O filme de Pedro Henrique, que também é DJ, acompanha um grupo de amigos que tudo faz para adiar o regresso a uma vida ‘normal’. Périphérique Nord explora a emigração portuguesa e a materialização da mesma num objecto imbuído de ideias de sucesso. Neste documentário, o realizador Paulo Carneiro viaja 2000 km ao encontro de quem saiu de Portugal em busca de uma nova vida. O carro é o ponto de partida e um ponto de encontro para uma discussão sobre o simbolismo do automóvel, bem como questões de identidade e comunidade. Rua dos Anjos é uma primeira longa-metragem que parte do princípio da partilha entre Renata Ferraz e Maria Roxo, duas mulheres com ofícios diferentes — o trabalho sexual e o trabalho cinematográfico — e que tentam encetar um diálogo, enquanto ambas filmam e se deixam filmar. Viagem ao Sol usa imagens de arquivos familiares para destacar os testemunhos de crianças vindas da Áustria para Portugal, no período pós-Segunda Guerra Mundial. Esta reflexão sobre uma migração de uma zona marcada pelo confronto bélico para outra sem as marcas dessa mesma destruição dá espaço a que narrativas dominantes sejam confrontadas com as experiências em primeira mão. O filme de Susana de Sousa Dias e Ansgar Schaefer propõe olhar para um passado que pode ter ressonância no presente e faz mais sentido do que nunca. É junto ao rio Pastaza, que viaja do Equador ao Peru, que encontramos a comunidade Achua, que a realizadora Inês T. Alves visitou não necessariamente com a intenção de fazer um filme. Mas a curiosidade e a independência das crianças que conheceu — fluentes na prática da pesca, na cozinha ou no artesanato — deram origem a Águas do Pastaza.
Tal como nas longas, as curtas-metragens escolhidas reúnem realizadores em diferentes fases do seu trajecto, num misto de autores estabelecidos e novos cineastas. Em Às Vezes os Dias, às Vezes a Vida, Lena trabalha numa padaria ao amanhecer, num supermercado durante o resto do dia e nada parece suficientemente seguro para a manter à tona. O filme de Janine Gonçalves é um retrato cru sobre o dia de uma mãe e das pessoas que a rodeiam. Depois de O Meu Pijama ter estado na secção Novíssimos na edição de 2017 do festival, Maria Inês Gonçalves regressa ao IndieLisboa com O Banho, uma pequena meditação sobre a magia e o perigo de tomar um banho. Ico Costa, presença regular no festival, deixa uma câmara com Ailucha e Domy. O que vemos em Domy + Ailucha – Cenas Kets! é o seu quotidiano em Inhambane, onde estes jovens moçambicanos vivem a juventude. Azul, de Ágata de Pinho, acompanha Ara que acredita que desaparecerá quando fizer 28 anos. Com a data a chegar, Ara procura as sensações mais elementares da existência. Pedro Cabeleira regressa ao IndieLisboa com a comédia de costumes By Flávio. Márcia, aspirante a influencer digital, consegue um date com o rapper Da Reel Chullz, mas não tem ninguém com quem deixar o seu filho, o Flávio do título… As diferenças geracionais entre uma mãe e o seu filho, somadas à herança da emigração, são os temas principais de Mistida, do luso-guineense Falcão Nhaga. Tornar-se um Homem na Idade Média acompanha dois casais que lidam com problemas de fertilidade, mas não de uma forma convencional. O filme de Pedro Neves Marques é um conto íntimo sobre sexualidade queer, autonomia corporal, desejos reprodutivos e o fantasma da normatividade.
Na Boca do Inferno, secção do IndieLisboa dedicada a obras que rasgam livremente fronteiras de registo e de temas, sem tabus, são programados filmes desconcertantes, com temas fracturantes. Este ano são oito curtas, entre live action e animação, e quatro longas. Destacamos duas: She Will, estreia de Charlotte Colbert na realização, é um revenge movie da era #MeToo sobre uma antiga estrela de cinema num retiro de saúde após uma dupla mastectomia. Ambientado na comunidade filipina emigrada em Atenas, Holy Emy cruza o misticismo e o realismo num filme sobre duas irmãs e os poderes curativos sobrenaturais da sua mãe. É a primeira longa de ficção de Araceli Lemos. Para quem preferir doses mais pequenas de assombro, a Boca do Inferno tem uma secção com 8 curtas, incluindo duas de animação.
Regressa o Novíssimos, a secção competitiva composta por um conjunto de filmes de jovens cineastas que estão a dar os seus primeiros passos. Este ano são 12 filmes. Alguns realizaram o seu filme em contexto escolar, outros realizaram sozinhos uma primeira obra, independente de qualquer apoio, mas todos competem pelo Prémio Novíssimos Betclic. Catástrofes Naturais, filme experimental de Margarida Pinto da Fonseca, junta habilmente desastres naturais a desastres bem humanos. Milagre de Agualva Cacém foi filmado entre Março e Abril de 2021 no apartamento da avó do realizador, Ricardo Guimarães, e acompanha a memória de uma cantiga da sua infância (‘D.Fernando’) no Nordeste Transmontano.
A secção Sessões Especiais, que inclui sessões como abertura e encerramento. A abertura é um double bill com dois filmes restaurados no âmbito do Projecto Filmar, da Cinemateca Portuguesa. Em primeiro lugar, Albufeira, curta-metragem dos anos 1960, filme de cariz promocional do turismo na cidade algarvia, mostrando, contudo, a marca autoral e experimental de António Macedo, um dos fundadores do Cinema Novo português, sempre atreito a fugir aos cânones de produção. Depois, Zéfiro. O filme de José Álvaro de Morais caminha por Lisboa enquanto documentário, mas o que quer realmente é galgar o Rio Tejo em pleno modo ficcional, de forma a explorar a margem sul, de onde parte à aventura Alentejo fora até ao Algarve. O narrador é Luís Miguel Cintra e o galgador é o criminoso em fuga de Marcello Urgeghe.
A sessão de encerramento fica para A Viagem de Pedro, que é como quem diz, de Pedro IV de Portugal e Pedro I do Brasil, o rei que ficou conhecido pelo grito do Ipiranga e pela independência do Brasil. Encontramo-lo num momento de regresso a Portugal, de onde fugiu das tropas francesas, para agora disputar a coroa portuguesa com o seu irmão, Miguel. O filme de Laís Bodanzky é sobre um homem sem lugar no mundo, entre o passado glorioso e o presente incerto, em busca de um novo propósito.
No documentário O Jovem Cunhal, João Botelho foca-se no revolucionário Álvaro Cunhal, símbolo do comunismo português e gigante político do século XX. Este é um filme detectivesco, em que se examinam os primeiros anos da vida do histórico dirigente do Partido Comunista Português. Pelo meio, são encenados excertos dos seus próprios livros. O mesmo realizador volta a trazer Alexandre O’Neill ao cinema e, depois de Um Adeus Português, chega a vez do conto Uma Coisa em Forma de Assim. Ainda no século XX português, Sita – A Vida e o Tempo de Sita Valles concentra-se no percurso da activista, anticolonialista e militante do Partido Comunista. Depois da revolução portuguesa, e de uma cisão ideológica com o seu partido, quis contribuir para o movimento de libertação angolano (nasceu em Luanda, em 1951). Morreu aos 25 anos, em 1977, em circunstâncias ainda não totalmente conhecidas. O filme de Margarida Cardoso junta testemunhos de figuras políticas e da sociedade portuguesa. O filme de João Trabulo Lisboa, Cidade Triste e Alegre é baseado no livro de fotografia – dos arquitectos Victor Palla e Costa Martins – com o mesmo nome, considerado uma obra de referência pioneira da fotografia portuguesa contemporânea. Um Nome para o Que Sou, de Marta Pessoa, reflecte sobre Maria Lamas enquanto figura central do feminismo português a partir do processo de escrita de As Mulheres do Meu País, obra que retratava íntima e meticulosamente a condição das mulheres em Portugal no final dos anos 1940.
O programa Cinema e 5L, realizado em parceria com o Lisboa 5L, o novo Festival Literário da cidade de Lisboa, junta cinco filmes nos quais a literatura é protagonista, seja pela adaptação, pela interpretação ou pela transformação de um texto em cinema. Este ano há filmes recentes, como Correspondências, de Rita Azevedo Gomes, e clássicos de sempre, como News from Home, de Chantal Akerman.
Os filmes novos que procuram inspiração e matéria no património do cinema ficam na secção Director’s Cut, composta por 5 longas e 2 curtas. Aqui, é impossível não destacar a exibição restaurada de The History of the Civil War, de Dziga Vertov. Restaurado em 2021, no ano do centenário da exibição do documentário original, o filme acompanha os anos de ressaca da Revolução Russa. Prism, de An van. Dienderen, Eleornore Eleornore e Rosine Mbakam – esta última vencedora do Prémio de Melhor Longa-Metragem da última edição do festival, com Les prières de Delphine -, parte de discussões e debates entre as três realizadoras para questionar a construção cinematográfica da whiteness e a sua relação com poder e privilégio.
Em 1982, o sucesso de Stranger Than Paradise, filme de estreia de Jim Jarmusch, dependia da capacidade da produtora Sara Driver de conseguir contrabandear rumo à Europa uma cópia de Cocksucker Blues, filme banido de Robert Frank. A curta Stranger Than Rotterdam with Sara Driver é uma encenação hilariante dessa história.
A fechar, uma novidade do IndieMusic: Meet me in the Bathroom, de Will Lovelace e Dylan Southern, filme fundamental para percebermos o mood de Nova Iorque pré-11 de setembro. Combinando filmagens nunca antes vistas de bandas como LCD Soundsystem e Yeah Yeah Yeah Yeahs com entrevistas áudio íntimas, o documentário – inspirado no livro homónimo de Lizzy Goodman, que, por sua vez, rouba o título a uma faixa de The Strokes – narra o fim do rock ‘n’ roll através das bandas que definiram essa época.
Toda a programação poderá ser consultada online, incluindo os comunicados anteriores.Os bilhetes poderão ser comprados na Ticketline ou nas bilheteiras físicas do festival a partir do dia 14.