Vale a pena olhar para o que diz o cinema sobre o presente, quando olha o passado: a história da colonização e a forma como é contada pelos diferentes sujeitos, a opressão vista por quem fugiu da sua sombra, o esmagamento da classe média ou os fantasmas que ecoam no dia-a-dia de quem se libertou. Entre 3 e 14 de Maio, o IndieLisboa tem filmes para alimentar o debate através de um olhar sobre o pensamento social, político e económico do mundo.
Em estreia no festival, Rosas de Ermera leva-nos numa viagem à história familiar de Zeca Afonso, cujos pais e irmã ficaram detidos em Timor na altura do agravamento dos confrontos no Pacífico. Partindo das memórias dos irmãos sobreviventes e das músicas de Zeca, Luís Filipe Rocha conta uma aventura familiar numa época funesta da história de Portugal. Em Luz Obscura, obra que integra a competição nacional, Susana de Sousa Dias volta a mergulhar nos arquivos da PIDE olhando as histórias do regime a partir dos relatos dos seus familiares. Um filme que restitui as genealogias amputadas pela ditadura, a mesma que se dizia defensora suprema da família. Com selo de fecho da edição deste ano, I Am Not Your Negro, de Raoul Peck, narra a história de Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, ao fazer um percurso pelo manuscrito inacabado de James Baldwin. Nomeado para o Óscar de Melhor Documentário, o filme de Raoul Peck retrata um período tumultuoso do século XX, sempre de olhos postos no presente.
Sob o nome Alt-Cinema, o IndieLisboa seleccionou um conjunto de filmes que, pela sua marca informativa, pretendem abrir novos olhares para questões históricas e políticas preementes. O conflito israelo-árabe é revisto em Ghost Hunting, no qual Raed Andoni reconstrói as memórias de um grupo de ex-presos políticos pelo regime israelita. Galardoado com o Urso de Prata para melhor documentário no Festival de Berlim, o filme reconstrói as salas de interrogatório e encena as humilhações relatadas pelos prisioneiros. Considerado um dos melhores filmes do ano pela crítica de cinema Nicole Brenez, I Pay For Your Story é um retrato impiedoso dos EUA pela voz dos habitantes de Utica, outrora uma localidade industrial próspera e hoje um território em ruínas. Karl Marx City é uma reflexão sobre o estado de segurança contemporâneo através do qual Petra Epperlein (em colaboração com o marido Michael Tucker) descobre algumas das pistas que poderão ter levado ao suicídio do seu pai, supostamente, um agente da Stasi. O ciclo fecha-se com um olhar único sobre a colonização portuguesa em Moçambique: Uma Memória em Três Actos dá voz àqueles que se viram silenciados durante o regime (presos e torturados ou obrigados à clandestinidade) e fá-lo no confonto com os locais desse silenciamento.
No campo das curtas, nota de atenção para o bloco da Secção Silvestre: On Politics. Por lá, Benjamin d’Aoust ouve os rumores de uma prisão, Corps investiga o que se passa além muros. Jokinen é um filme-detective que percorre a história do Partido Comunista nos EUA, as tensões raciais e a imigração finlandesa nos anos 1930. Nunca é Noite no Mapa põe a nu a imaterialidade automatizada do Google Maps. Munido da sua tela de chroma key, Douwe Dijkstra filme pessoas do Brasil e baralha-as segundo o seu olhar de estrangeiro, em Green Screen Gringo. Treje é um filme-documento: o êxodo dos refugiados que se encaminham para o campo de Brezice, entre a Eslovénia e a Croácia.
Para além de filmes, esta vertente politizada do IndieLisboa também se notará na primeira LisbonTalk da edição, O Cinema Como Ferramenta Política, uma conversa moderada por Tiago Dias (Lusa), onde Susana de Sousa Dias (realizadora), José Filipe Costa (realizador), Ricardo Alexandre (RTP) e Sofia Branco (Lusa) discutirão o papel que o jornalismo e o cinema têm na democracia dos dias de hoje e se podem ser ferramentas úteis para uma cidadania informada, contestatária e interventiva, numa época em que o populismo de Trump, a extrema direita de Le Pen e Temer, e o conservadorismo de Theresa May conquistam terreno. A conversa decorre no dia 5 Maio, Sexta-feira, às 18h30, no Cinema São Jorge.