IndieLisboa, mais do que um festival
Ao chegar à sua sexta edição, o IndieLisboa ‚ Festival Internacional de Cinema Independente logrou alcançar uma posição destacada entre os eventos de cinema que se realizam no país. Desde a sua recente criação, em 2004, até agora, o percurso do IndieLisboa tem sido de crescimento e de consolidação, estando hoje entre os maiores acontecimentos dedicados à cultura cinematográfica que têm lugar em Portugal.
Entre os resultados mais positivos desta evolução contam-se a criação e o alargamento de públicos para um cinema de autor de qualidade, com a consequente dinamização e enriquecimento da oferta cultural em Lisboa. Mais ainda, longe de se confinar apenas à cidade de Lisboa e aos 11 dias por ano em que decorre oficialmente, a acção do IndieLisboa estende-se hoje temporal e geograficamente muito para além desses limites. Desde logo, pela realização de múltiplas extensões da programação do festival por todo o país e em estreita colaboração com agentes culturais locais. Em segundo lugar, pela organização de mostras fora de Portugal dedicadas ao cinema nacional exibido no festival com o objectivo de promover internacionalmente o próprio festival, a nossa cinematografia e a capital portuguesa. Noutro plano ainda, na edição e distribuição de filmes programados no festival, nomeadamente com o início de uma colecção de dvd’s com filmes para crianças e jovens (a partir da secção IndieJúnior), distribuída em milhares de escolas do Ensino Básico e Secundário numa iniciativa conjunta com o Ministério da Educação.
Foi fundamental para a história de sucesso do IndieLisboa a excelente receptividade ao nosso projecto e o decorrente apoio financeiro obtido desde o primeiro ano junto de três entidades: Ministério da Cultura/Instituto do Cinema e Audiovisual, Câmara Municipal de Lisboa e EGEAC, EEM. Inicialmente de carácter anual, esses apoios passaram entretanto a plurianuais: em 2006, no caso da CML (protocolo já renovado até 2011), em 2008, no do ICA e com a EGEAC desde 2009 (a vigorar também até 2011). Esses apoios sustentados permitiram-nos desde cedo criar condições para estabilizar a equipa do festival e desenvolver um projecto ainda mais ambicioso, estruturado a médio e a longo prazo. A esses importantes apoios ao IndieLisboa veio somar-se o do programa MEDIA da União Europeia, iniciado em 2008, e que deverá em 2010 passar a ser igualmente da natureza plurianual.
Foram estas parcerias institucionais de primeira importância que nos permitiram renovar e reforçar o festival deste ano apesar da conjuntura económica menos favorável em que a edição foi preparada e irá decorrer. O nosso agradecimento a essas entidades estende-se também aos múltiplos parceiros privados que, de forma continuada ou pela primeira vez, acreditaram no projecto do IndieLisboa e por isso quiseram reunir-se a nós para em conjunto podermos continuar, com optimismo, a fazer crescer e melhorar este festival.
Mesmo se esta edição é novamente de crescimento em alguns aspectos quantitativos (no número de salas, sessões e filmes exibidos), a aposta do IndieLisboa’09 volta a ser sobretudo na melhoria de aspectos qualitativos, apurando as linhas essenciais de um programa de filmes original e exigente e multiplicando as iniciativas paralelas que potenciam ainda mais os efeitos dessa programação. Falemos então resumidamente do que há de novo no IndieLisboa’09. Em primeiro lugar, e como sempre tem acontecido, o festival volta a redesenhar o seu mapa de salas, alargando ainda mais a presença do IndieLisboa na cidade de forma a tentar chegar a novos e mais diversificados públicos. Para além de voltar a ocupar o Cinema São Jorge, o Cinema Londres e o Fórum Lisboa, o IndieLisboa’09 passa a integrar dois novos espaços resultantes de duas novas parcerias. A primeira com a Fundação Oriente numa co-produção que permitirá levar ao auditório do Museu do Oriente a maior fatia da programação de origem ou temática asiática do festival e os dois filmes-concerto IndieJúnior deste ano. A segunda, com o Cinema City Classic Alvalade, preenchendo o IndieLisboa’09 em exclusivo, durante todo o período do festival, duas salas deste ainda muito recente cinema.
Na vertente de programação, procedemos a algumas alterações na arrumação e designação das secções oficiais e paralelas do festival. Mantendo-se a Competição Internacional, o Observatório (que regressa, de forma mais claramente assumida, como o espaço por excelência dos autores mais consagrados), o IndieJúnior (surgindo esta com um aumento sensível no número de sessões e também mais diversificada em termos etários) e a secção Herói Independente como as secções estruturais do IndieLisboa, acrescentámos-lhes uma nova, de título Cinema Emergente. Esta secção, para além de compensar a eliminação do agora extinto Laboratório de forma a manter uma presença significativa das novas linguagens do cinema, permite aumentar o peso dos novos autores no conjunto do festival e reforçar a identidade do IndieLisboa enquanto evento dedicado à descoberta e partilha do melhor do novo cinema que se faz actualmente em todo o mundo.
Nas secções paralelas, somámos uma novidade às já existentes Director’s Cut e IndieMusic: a secção Pulsar do Mundo. Essencialmente constituída por documentários cuja saliente relevância e actualidade temáticas não dispensa de serem também gestos cinematograficamente fortes, esta secção foi criada com o intuito de sinalizar de forma mais clara para o público do IndieLisboa a presença de filmes que nos trazem visões criticamente actuantes sobre o estado do mundo que importa ver e discutir colectivamente (estes filmes e esta dimensão política e social sempre fizeram parte das preocupações de programação do festival mas estavam talvez demasiado diluídos numa programação que é efectivamente muito abrangente e difícil de abarcar na sua totalidade pela maior parte dos espectadores).
Por último, destaquem-se os nomes da secção Herói Independente a quem o IndieLisboa’09 dedica duas expressivas retrospectivas: Werner Herzog e Jacques Nolot, dois solitários e obstinados criadores de cinema. Muito apreciado pela sua lendária fama de cineasta radicalmente aventureiro e por um punhado de filmes justamente célebres, Werner Herzog é um cineasta muito menos visto entre nós do que a sua prolífica obra justificaria, permanecendo na sua parte mais significativa completamente invisível há muitos anos (para além desses filmes mais conhecidos, muito pouco se tem visto nas televisões, nas salas de cinema e no mercado de dvd). Na sequência da recente redescoberta internacional, impulsionada pela Cinemateca de Turim, de uma obra extraordinária e convictamente moderna ‚ inesperadamente sintonizada com algumas linhas de força do cinema contemporâneo ‚, o IndieLisboa organiza um programa com uma selecção de 26 filmes de Werner Herzog, o qual será complementado pela edição de um livro sobre o realizador e de uma exposição de fotografias também em colaboração com aquela instituição italiana. Já o programa dedicado a Jacques Nolot é uma ideia nascida da fulgurante revelação, no IndieLisboa do ano passado, de um universo autoral singular e obsessivo. A exibição de Avant que j’oublie em 2008 foi a semente para a organização de uma programa à volta de Jacques Nolot. Como actor, realizador e argumentista (ou de forma simultânea em mais do que uma destas funções), a personalidade e a biografia de Nolot permeiam e marcam de forma vincada os filmes retidos neste programa (onde encontramos outros autores da sua família de cineasta, como André Téchiné e Claire Denis), todos eles perturbantes e desafiadoras incursões nos territórios instáveis da identidade e da sexualidade. Os percursos intransigentemente inconformistas e individualizados de Werner Herzog e Jacques Nolot são uma inspiração para quem acredita na existência e necessidade do cinema como arte maior, mesmo que mais impura e mais difícil por tão próxima da vida.
A Direcção do IndieLisboa ‚ Festival Internacional de Cinema Independente
Miguel Valverde
Nuno Sena
Rui Pereira