Vendrá la muerte y tendrá tus ojos

O que acontece quando soubermos que vamos morrer? A luz mudará? Os pássaros piarão mais intensamente? A morte vem habitar a relação de duas mulheres, juntas há muito tempo. Uma delas doente terminal, a outra irá ficar e deve cuidar. Os dias passam nessa atmosfera de despedida. Numa pequena casa de bosque permanecem o amor das duas, as conversas, o toque dos corpos, a memória. Mas, implacável, o desespero vai cavando fundo os rostos no grande plano.

Duas mulheres reais, dois rostos, um beijo, um abraço. Esta demonstração de amor absoluto lança o filme de Torres Lleiva numa torrente de emoções. Percebemos um mal à l’aise constante que contamina a relação mas não sabemos porquê. Estamos convidados para o meio de uma relação como confidentes. A partir de um momento percebemos tratar-se de uma doença, essa “coisa” instalada que mata e não vai desaparecer. E é aqui que tudo se ajusta, com avanços e recuos, como é próprio da incerteza. São raros os filmes que criam nós que não deslaçam, mas em que a sua ternura permite que qualquer lampejo que surge seja uma tábua de salvação. E é por isso que o filme inclui histórias de outros tempos que nos ajudam a compreender o seu presente. Este cinema de Lleiva é repleto de planos de rosto e de corpos exauridos, e mostra que mesmo na dor é possível mostrar sensualidade. Vendrá la muerte e tendrá tus ojos é daqueles filmes em que apetece ficar para toda a eternidade. (Miguel Valverde)

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Rodeo

Como fazer face a um ano complicado? Filmá-lo. Mario Valero assina este filme de viagem, entre cidades e entre rostos, uma vida condensada em MiniDV, um diário de estações, um atalho.

Um filme viagem, diarístico, onde Mario Valero filma a amizade com a mesma força que filma a natureza. Um gesto de re-aprender a filmar e montar. O mundo é-nos apresentado como objeto filmável onde todas as ideias são possíveis e servem para simultaneamente lembrar e esquecer os dias, as caras e as estações do ano, que se vão metamorfoseando e ficando cada vez mais confusas. (Duarte Coimbra)

 

Moço

Um dia João, jovem adolescente, decide não regressar a casa. Porque lá moram uma mãe infeliz e um pai ausente. Com Carlotto Cotta. Produzido por Luís Galvão Telles e Justin Amorim.

Crescer não é fácil, é um verdadeiro, (de verdade), grande cliché, ao qual não escapa o ‘moço’ desta história. Descobrir as actividades extra amorosas da progenitora, deixa-o num território de emoções confusas. Resta assimilar o jogo que está lá fora, a cumplicidade com os amigos, a bicicleta, um mergulho nas águas, um café nocturno; eis a fuga de um rapaz que está pronto a crescer. Um quadro narrativo delicado e sensível que segue o moço, observa-o, acompanha-o, e não o perderá de vista. (Carlota Gonçalves)

 

Eclipse – une esthétique de la censure

A censura no cinema visou produzir um corte ou uma opacidade nas imagens de certos filmes por questões morais ou políticas. Acedendo a cartas dos censores do cinema francês nos anos 50, 60 e 70, imagina-se aqui o que seria isso de uma “estética da censura”.

 

Los Conductos

Filmado em 16mm, a primeira longa de Camilo Restrepo (La impresión de una guerra, IndieLisboa 2016 e Cilaos, IndieLisboa 2017) é uma fuga, uma alucinação e uma febre. Pinky escapa a uma seita e refugia-se numa fábrica de t-shirts ilegais. Há uma hipnótica viagem a fazer por corredores, tintas, slogans e armas. O objectivo é a libertação. Um cinema que sonha uma outra Colômbia: sem opressão, corrupção ou instrumentalização religiosa.


Um foragido escapa da sua seita religiosa e tem dificuldade em misturar-se com o mundo exterior, ainda imbuído da violência que testemunhou e instigou. Na sua primeira longa-metragem, o realizador colombiano Camilo Restrepo inspirou-se na história verdadeira do amigo Luis Felipe Lozano, “Pinky”, que interpreta o seu papel em Los conductos. É um filme habitado pela violência, um conto filosófico e fantasmagórico que nos leva aos limites da instrumentalização da religião e da violência generalizada na Colômbia. É um filme catártico que Restrepo oferece ao amigo, numa forma de docu-ficção filmada em 16 mm. O filme apodera-se de vários símbolos, bem como de uma certa teatralidade para melhor representar as emoções internas de Pinky, numa montagem fragmentada. Entre passagens realistas e projecções assustadoras, a jornada de Pinky não é fácil. Após o homícido, supostamente para libertá-lo da sua doutrinação, a sua raiva permanece num mundo que se recusa a abrir-lhe as portas. Diferentes figuras históricas ou literárias da cultura colombiana visitam-no para o confrontar com os dilemas morais que enfrenta. Porque se na nossa realidade o homícidio não aconteceu, na de Los conductos leva a um questionamento sobre conceitos fluídos como Bem e Mal, que Pinky tem dificuldade em conceber quando pensou durante tantos anos ser um “Eleito”. (Mickael Gaspar)

 

Farse

Eis uma espécie de triângulo amoroso entre um homem, uma mulher e um triturador de carne. Ou de como o amor por vezes pode ser porcalhão.

 

Fantasmas do Império

O trabalho de Ariel de Bigault tem estado ligado às rotas da lusofonia. Em Fantasmas do Império somos guiados pelo actor são-tomense  ngelo Torres através do cinema português que explorou o nosso passado colonial. Vários realizadores como Fernando Matos Silva, João Botelho ou Margarida Cardoso ajudam a compreender o imperialismo, o colonialismo, a propaganda vista através desse “álbum de família” que é o imaginário colectivo cinematográfico português.

 

Emitaï

Durante a 2ª Guerra Mundial, as forças colonialistas francesas do governo de Vichy requisitam o bem mais precioso que têm os habitantes da aldeia senegalesa de Efock: o arroz. A minoria étnica dos Diola reorganiza-se para a resistência: enquanto os anciãos rezam a Emitaï, o Deus do trovão, as mulheres, mais pragmáticas, escondem a colheita. Esta história de silenciosa resistência esteve censurada 5 anos após a sua estreia em toda a África francófona.
Este filme não é falado e nem legendado em inglês.

 

Adeus Senhor António

Após uma longa carreira como actriz de cinema, Buisel estreou-se em 2017 na realização com Quantas Vezes Tem Sonhado Comigo? (IndieLisboa 2018). Agora adapta novamente Fernando Pessoa, um conto sobre uma mulher corcunda que escreve uma carta ao seu amor.

 

Greener Grass

Ahh…os subúrbios americanos com suas taras e manias. DeBoer e Luebbe – argumentistas, realizadoras e actrizes do filme – fazem-nos entrar nesse mundo habitado por ferozes soccer moms, adultos de aparelho nos dentes, roupas rosinhas ou azulinhas a condizer, intercâmbio de bebés, cãezinhos e crianças, carros de golfe e jogos de futebol. Nesta deliciosa dark comedy em tons garridos parece que David Lynch acasalou com Wes Anderson e deram à luz este filme. 

 

Hitte

Quando faz muito calor a melhor coisa a fazer é entrar numa gelataria e pedir um geladinho. Mas há pessoas com olhares bem escaldantes.

 

Si yo fuera el invierno mismo

O que significa (ainda) acreditar no poder revolucionário do cinema? Quatro amigos juntam-se numa casa de campo para refazer partes de obras icónicas desse poder, como La Chinoise (1967) de Godard ou Nicht löschbares Feuer (1969) de Harun Farocki. Depois de Leones, sua obra de estreia (IndieLisboa 2013), o estilo elíptico de Jazmín López está de volta. Nunca sabemos de onde vem o som, nem para onde pode partir a câmara. Rui Poças é o diretor de fotografia.

Considerada uma das vozes mais promissoras na Argentina, Jazmín López (realizadora do incrível Leones em competição no IndieLisboa 2013) volta agora com este filme em que quatro amigos se juntam numa casa de campo para fazerem o reenactement de três obras icónicas revolucionárias dos finais dos anos 60: os filmes de Godard La chinoise e de Farocki Inextinguishable Fire e a performance que resultou numa série de fotografias Untitled (Facial Hair Transplants) de Ana Mendieta. O que poderia ser uma obra racional, é aqui um filme inventivo e cheio de vida (as conversas atropelam-se e deixam-se deslizar entre a interpretação e a reinterpretação), invocando o poder inspirador da música que sublinha o que não pode ficar esquecido, convocando longos travellings através das divisões da casa e no exterior, brilhante direcção de fotografia assinada por Rui Poças) para lhe dar monumentalidade. (Miguel Valverde)

 

Si c’était de l’amour

Quinze bailarinos, em tournée, dançam a peça Crowd da coreógrafa Gisèle Vienne. O palco é pista de dança, em homenagem às raves dos anos 90. Impulsos eróticos, encontros aleatórios, amor em super slow motion. O realizador documenta o seu trabalho, mas eis que a dança cai no abismo criativo do cinema. E as fronteiras – entre corpos, entre relações, entre palco e realidade – tornam-se cada vez mais fluídas, nesta jornada através da noite, do amor e da dança.

If it Were Love não é apenas uma excepcional oportunidade, para quem não viu a sua apresentação em Lisboa, de conhecer o trabalho da coreógrafa Gisèle Vienne em Crowd. Aliás, talvez seja ainda mais valioso como revisitação minuciosa das suas personagens e movimentos, engenho brilhante que se deve a Patric Chia, que dirige o olhar do espectador para uma confusão entre realidade e ficção, ao filmar os corpos dançantes, mas também as conversas de bastidores. O filme provoca o mesmo transe em que estão as personagens, no palco ao som da música rave dos anos 90, e ninguém se quer libertar. Patric Chia continua a explorar o mundo das emoções humanas mais profundas, nas suas dimensões autênticas e performativas, com uma linguagem autoral vincadamente expressiva e singular. (Mafalda Melo)

 

Nicht der Homosexuelle ist pervers, sondern die Situation, in der er lebt

Dois anos após a abolição da Secção 175 do Código Criminal que criminalizava a homossexualidade na Alemanha, o filme de Praunheim tornou-se uma obra fundamental do cinema político. Desencadeou debates sobre a visibilidade da cultura gay e movimentos pela sua libertação em muitos países. O filme mostra a vinda de Daniel da província para a cidade e sua passagem por diferentes subculturas gay. E ouvimos vozes até aqui em silêncio.

 

Jacob, Mimmi e os Cães Falantes

Jacob vive na cidade e sonha em ser arquitecto como o seu pai. Um dia, quando este tem de viajar em trabalho, Jacob vai passar uma semana com a prima Mimmi e o seu pai. Eles vivem num subúrbio da capital da Letónia, Riga. Lá tudo parece diferente e mais calmo. Quando as crianças percebem que o parque vai ser destruído e no seu lugar vão construir altos edifícios, vão tentar travar as obras. E recebem a preciosa ajuda de uma matilha de cães especiais.  

 

Jeanne

Joana d’Arc é um símbolo da espiritualidade ocidental e o coração da psyche social francesa. Em 2017, Dumont realizou Jeannette, l’enfance de Jeanne d’Arc, um musical baseado numa peça de Charles Péguy. Jeanne é a sequela que recupera, do filme anterior, Lise Prudhomme, de apenas 10 anos, para encarnar a heroína. Não estamos aqui no realismo histórico, mas sim na modernização de um mito a partir de uma infância que se renova, de uma condição feminina que se liberta.

Bruno Dumont adapta novamente textos de Charles Péguy dedicados à figura histórica de Jeanne D´Arc. Estamos em 1429, Jeanne é presa e julgada. Depois de uma Jeannette dançante e despreocupada, esta segunda parte parece mais austera e teatral, mas revela-se mais sensível e majestosa. A expressão do corpo dá lugar à expressão do verbo. O filme já não é uma comédia, como o foram as suas obras desde a série Le P’tit Quinquin. O cineasta parece reavivar a sobriedade do passado e escolhe relatar os eventos (uma guerra, um julgamento, uma igreja) unicamente pelas vozes, sejam elas um comentário (as personagens são como os apresentadores de rádio da acção), um interrogatório, ou uma música. Essas disputas oratórias tornam-se fascinantes e conseguem pela força da evocação substituir a acção. Cada palavra, interpretada com fragilidade por actores não profissionais, tem um timbre e enunciação singulares. Com uma distância totalmente brechtiana, o jogo vocal não preserva menos o mistério de Jeanne e o nosso fascínio. O cineasta questiona a nossa relação com a espiritualidade. O profano e o sagrado se misturam-se, à imagem do cantor Christophe, um convidado improvável do cinema de Dumont. (Mickael Gaspar)

 

Zabij to i wyjedź z tego miasta

Concebida ao longo de uma década, a primeira longa do animador Mariusz Wilczyński mostra-se bem nesse doloroso e cru olhar para trás. A cidade de Lodz possui uma atmosfera beckettiana e autobiográfica, um espaço industrial, pejado de fumos, luzes fortes e agrestes, personagens bizarras. Os episódios trágicos e satíricos, como a morte e preparação do corpo da sua mãe para o enterro, ou as visitas atribuladas com o pai, habitam a memória labiríntica do cineasta.

 

Last and First Man

O compositor islandês Jóhann Jóhannsson, autor de bandas sonoras inesquecíveis como as de Sicario (2015) ou Arrival (2016), trabalhava na sua primeira longa-metragem quando nos deixou precocemente em 2018. Filmado em 16mm, a preto e branco, Jóhannsson imaginou um mundo futurista, solitário e belo, no qual a raça humana dá lugar aos monumentos da sua presença. Narrado pela actriz Tilda Swinton, esta é uma singular e kubrickiana viagem visual e sonora.