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Na década de 1960, Jocy de Oliveira e Jorge Antunes já faziam as suas primeiras experiências no universo da música electrónica no Brasil. Os dois pioneiros não podiam imaginar a influência que suas composições teriam nas gerações futuras. Com o passar das décadas, a música electrónica popularizou-se e passou a ser um estilo de vida e um estado de espírito. Mas enquanto os músicos dominam as tecnologias em constante evolução, eles também reflectem sobre a relação entre o homem e a máquina. (Mickael Gaspar)
Um possível tesouro enterrado num sótão fictício, entre outras cassetes de vídeo, que não celebra senão o poder do cinema nos transportar, com um sorriso sarcástico nos lábios. Parte diversão Disney, parte homenagem musical ao estado americano, a realidade neurótica da vida adulta dá as mãos (e oferece um sumo de laranja) ao mais cego otimismo. Para umas férias, ou uma licença sabática, a vida simples vive-se na Flórida. (Ana Cabral Martins)
Análise de memórias que começam num carro-cenário e crescem depois para carros reais, objectos de transporte perfeito para revisitar o tempo como verdadeira experiência de imagem fixa e em movimento. Outros objectos e espaços juntam-se, suportes duma impressão do tempo que se move em constante evocação. Filme de natureza analítica e sensível que vai do pessoal ao colectivo abrindo-nos a um belo diário pleno de vida. (Carlota Gonçalves)
O simbolista francês Marcel Schwob escreveu, entre uma série de outros pequenos contos semiautobiográficos, sobre o poeta e filósofo romano Lucretius. Nesta adaptação anacrónica desse conto, a natureza humana é o alvo óbvio da filosofia em tela, mas é a maneira como é criada a teia desta narrativa cinemática que surpreende pela forma como nos aproxima do que nos mostra: não apesar de, mas devido ao seu artifício. (Ana Cabral Martins)
Corpos, natureza, flores, bichos, a luz e a noite, acordam uma narrativa de desejo e sonho. Um filme que paira sobre as coisas, aproxima-se delas, toca-lhes… um filme de gestos, de mãos, melancólico e agitado. Personagens adormecidas e despertas movem-se numa depurada paisagem de límpidos e obscuros desejos; Valéry e Bataille, amor e erotismo e a bravura do pensamento. E mais fantasmas e espelhos ancestrais de água que recolhem imagens. Um filme que fulgura, atmosférico, musical, encantatório. (Carlota Gonçalves)
“Era noite, a terra tremeu, uma bola enorme que girava como um disco e lá dentro uma figura de uma mulher”. Um dia há muitos anos uma mulher surgiu num lagar de um produtor de vinho e abençoou esse mesmo produtor com a sua melhor vindima. Quem será esta mulher sem nome cuja descrição ficou perdida no tempo? “A Rainha” é um filme sobre a veracidade dos contadores de histórias, uma reflexão e exercício sobre a sua própria forma enquanto filme. (Rui Mendes)
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José Pinhal foi um estranho na multidão. Em seu redor, somente paira a grossa névoa do mistério. Sobra-nos, portanto, a sua palavra delicada e do que, com ela, nos canta José: dos cabelos da mulher sonhada, longos até à cintura, que se querem desfraldados ao vento, ou dos lábios saturados de vermelho daqueloutra que se deseja mas se não pode, derradeira panaceia para a polidipsia da alma. Um romântico de gostos simples na vida, eis enfim tudo sobre José Pinhal. A delicada lírica do cantautor, que tanto nos diz sobre a vida e os amores, é uma fortuna que só reconhecemos depois de partir dentre nós esta ave canora de Santa Cruz do Bispo. O reportório de José Pinhal é uma ode interminável ao Amor, ao bailarico de verão, ao perdão que nem sempre se nos é concedido. Se o amor é eterno na sua música, também José o é agora em A Vida Dura Muito Pouco; se Pinhal cantava o perdão, cantamos-lhe nós agora o nosso reconhecimento tardio. (Filipa Henriques)
Cinco minutos criados a partir da manipulação de uma fotografia de 35mm, tirada durante uma viagem de comboio entre Dordrecht e Roterdão, sem a ajuda do shutter. A fotografia ganha assim o movimento do cinema, absorvendo o fluxo de luz. Torna-se corrente e contínua. Formas perdem a definição; existem entre a figuração e a abstração. Cinco minutos que colapsam as fronteiras entre o cinema, a fotografia e a pintura. (Ana Cabral Martins)
Num subúrbio francês, onde se pinta um retrato coral da juventude agrilhoada pela economia (há referências aos coletes amarelos, aos entregadores precários, às redes sociais), um rapaz decidiu ser pastor, longe dos mercados e das tecnologias da comunicação. Descreve-se o seu retorno, a um lugar, a uma comunidade a e a uma relação que fora deixada suspensa. A figura do reencontro constitui, portanto, o núcleo de “Abissu”: uma fábula sobre o voltar a olhar, a tocar, a sentir e a beijar um corpo amado. Um “West Side Story” ainda mais cheio de tesão. (Ricardo Vieira Lisboa)
Não fosse este filme ter sido feito antes do confinamento, poder-se-ia especular que era o resultado de muito dias fechado em casa e sob influência de substâncias estranhas. Algen é um filme frenético e divertido, tão bizarro quanto inventivo. Dois animais fogem de uma espécie de jardim zoológico, depois de humilhados pelos visitantes, em busca da liberdade. Dois animais que gostam de dançar. (Carlos Ramos)
Os desenhos feitos nos anos 70 pelos Waimiri-Atroari durante o seu processo de alfabetização servem de base a Apiyemiyekî?. Neles vê-se e lê-se os testemunhos-reacções deste povo indígena da Amazónia à violência e atrocidades contra si perpetradas pelos brancos durante a ditadura militar brasileira. Num filme ancorado no passado, a reverberar num presente com que partilha demasiadas semelhanças, Vaz reproduz com inteligência e intenção um gesto de audição original essencial ao entendimento de uma comunidade. (Ana David)