O mundo do cinema talvez não o esperasse, mas em 2013, uma figura atravessou o novo cinema francês apresentado no Festival de Cannes. Vincent Macaigne, na altura com 35 anos, era o denominador comum a vários filmes de novos cineastas desse país: autores que se estreavam, na maior montra do cinema mundial, com as suas primeiras longas metragens, e que filmavam um rosto e um corpo inquieto, doce e angustiado, semelhante a um pequeno furacão dentro das suas dramaturgias. Os filmes apresentados eram A Batalha de Solferino de Justine Triet, A Rapariga de 14 de Julho de Antonin Peretjatko, e 2 automnes, 3 hivers de Sébastien Betbeder, objectos tão especiais quanto a estranha figura desse actor — alguém no exacto oposto da figura glamorosa do actor-modelo masculino que domina os filmes de maior sucesso dos últimos anos. É isso que acontece, de forma expressiva, em Les deux amis (2015), filme de e protagonizado por Louis Garrel, com quem Macaigne forma uma dupla trágico-cómica.
Nos vários filmes em que entra, Macaigne aparece como um “laboratório de emoções”. Uma ideia que não é estranha ao trabalho que o próprio desenvolveu enquanto um dos mais relevantes encenadores do teatro francês contemporâneo. Nos filmes em que entra, Macaigne costuma ser Macaigne o rosto, já reconhecido no cinema francês, que funciona como um peso que arrasta os filmes para uma luta contra as convenções que se instalam no olhar do espectador. A sua atracção pelo risco, ou o desejo de se construir uma obra inclassificável (pois nem a vida, se for vivida, se sujeita a ser classificada), fez com que o actor optasse, também, pela realização das suas próprias obras. Realizou a curta metragem Ce qu’il restera de nous (2012) — título que evoca aquilo que fica, mais uma vez, depois da morte — e a longa metragem Dom Juan & Sganarelle (2016), que tem o propósito de adaptar Molière à escala da ópera.
Se tudo parece ser urgente nos filmes de Macaigne, tal não se deve a qualquer gesto de “afectação”. Deve-se, por outro lado, a um modo muito concreto de abordar a vida: uma dedicação absoluta e permanente ao trabalho e ao combate, sempre frustrante, de se lutar contra o nosso fim, dos nossos sentimentos, das nossas relações, ou do próprio tempo que um filme e uma peça de teatro têm para nos falar da vida. Criações artísticas que encerram, em si, uma ilusão de eternidade pelos temas que abordam, e cujos corpos, condenados à morte, lutam como podem para deixar as suas marcas de sobrevivência.
Horários da retrospectiva do Herói Independente Vincent Macaigne:
Dom Juan & Sganarelle
Vincent Macaigne
27 de Abril (quarta-feira) 21h45, Cinema São Jorge
2 automnes, 3 hivers
Sébastien Betbeder
28 de Abril (quinta-feira), 21h45, Cinema São Jorge
Une histoire américaine
Arnel Hostiou
29 de Abril (sexta-feira), 18h00, Cinema Ideal
Tonnerre
Guillaume Brac
29 de Abril (sexta-feira), 21h45, Cinema São Jorge
Vincent Macaigne Curtas 1
Ce qu’il restera de nous de Vincent Macaigne
Le repas dominical de Céline Devaux
Les lézards de Vincent Mariette
Moonlight Lover de Guilhem Amesland
30 de Abril (sábado), 14h30, Cinema São Jorge
Les deux amis
Louis Garrel
30 de Abril (sábado), 16h00, Cinema São Jorge
Vincent Macaigne Curtas 2
Le naufragé de Guillaume Brac
Un monde sans femmes de Guillaume Brac
1 de Maio (domingo), 18h00, Cinema São Jorge